Os galhos, alguns, dão para fora do quintal, o que atiça a vizinhança, principalmente a miudagem, a jogar objectos à árvore para conseguirem a sorte de apanhar uma ou outra fruta.
A Jurelma disse-me a mim, há dias, que essa coisa de os miúdos, até jovens vizinhos, atirarem pedras no pau, de mais ou menos seis metros de altura, já originou diversas vezes a quebra do tecto da casa. Partem o lousalite e fogem. Ela e a mãe já xingaram os invasores e suas famílias, mas a prática continua.
Aliás, por causa disso, com alguma excepção às mangas que caem no quintal com o dançar dos ramos, por causa do vento, ou as que recolhem de manhãzinha quando acordam cedo, as donas do cubico quase não saboreiam da fruta ali produzida!
Essa história da mangueira da Jurelma remeteu-me a uma cena que vivi, há mais de 25 anos, no Cazenga, onde havia umas duas mangueiras, num quintal, que ninguém tocava. As mangas estavam ali nas suas árvores expostas. Todas tão madurinhas que davam água na boca a qualquer transeunte.
Mas, como referi, o detalhe que saltava à vista era o facto de as mangas, apesar de convidativas, serem intocáveis. Os donos da casa, os vizinhos, os seus visitantes e os transeuntes não se atreviam a tocar nas frutas.
As frutas eram grandinhas, verdinhas e amarelinhas, algumas com marquinhas vermelhas, pareciam gostosas. Mas ninguém tocava nelas por quê? Inacreditável!
Naquele dia, há quase três décadas, teria eu uns 13 ou 14 anos, curioso e assanhado, achando que fossem árvores da Mamã Bela, minha querida velha, quis descobrir o segredo do porquê aquelas mangas nasciam, cresciam e apodreciam sem que alguém as tocasse! O mais engraçado era que mesmo quando caíssem na rua ninguém se atrevia a apanhá-las!
Então peguei numa pedra e tentei jogar para uma das mangueiras. Quando menos esperava, uma senhora espetou-me uma boa “mbaia”, mas da boa galheta, para, depois, alertar-me para nunca mais tentar mexer naquela árvore. Nem perguntei mais as razões. Enquanto buscava minimizar a dor causada pela bofetada, que deixou marcas dos dedos da kota no meu braço direito, ela explicava, bem baixinho, que o antigo dono da casa tinha sido “granda ngapa”. Por isso, nem os actuais moradores mexiam nas mangueiras e só não abandonavam o “mbanji” por não terem onde cair mortos. As mangueiras nem podiam ser podadas. E encostar um dedo naquelas frutas seria meio caminho para a morte.
Ouvindo aquilo, todas as minhas forças do mundo se foram. Fogo, ia dar o caldo! – pensei comigo. Saí daí na brasa e fui contar aos meus sobrinhos, que moravam no bairro, ali no Curtume, sobre o sucedido.
Quando voltamos lá no sítio, reparei bem e vi que, diferente de quando saí de lá, cada uma das mangas tinha uma fita vermelha amarrada! Eram mais de duas dezenas de mangas, nas duas árvores.
As fitas surgiam, contaram os meus sobrinhos, segundo por eles ouvido, sempre que alguém tentasse mexer nas árvores.
Não tinha entendido bem, na altura, o que era aquilo, nem o que o amarrar das mangas com cordas vermelhas representava, mas passei a perceber um pouco porquê os daquela zona do bairro chamavam àquelas mangueiras de Paus do Feitiço!
Fonte:JA