“O mercado livre deverá trazer mais oportunidades às empresas”

0
230

De acordo com o negociador-chefe de Angola junto dos escritórios da União Africana, sediado em Acra, no Ghana, o último Relatório da CNUCED (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) sobre o Desenvolvimento Económico em África, situa o comércio intra-africano a uma cifra de 69 mil milhões de dólares em 2019, representando apenas 15 por cento do total do comércio feito com o resto do mundo. Para ele, a dependência extrema de África ao comércio com o resto do mundo é a principal causa da vulnerabilidade das economias aos choques externos e, por esse motivo, a instituição de um mercado livre

A formalização da Zona de Comércio Livre Continental Africana gerou enormes expectativas. O que falta para que se comece a sentir os reais efeitos desta decisão dos Estados?

As negociações na Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) verificam o princípio da eliminação progressiva das tarifas, tendo em conta o conceito de geometria variável nos processos de integração económica, que permite aos Estados adoptar um certo grau de flexibilidade ao fazer concessões de acesso aos seus mercados. De momento, o objectivo estabelecido pelos Estados-membros é o de alcançar a meta de 90 por cento das linhas tarifárias livres de direitos aduaneiros nos cinco (5) anos que seguem a data de início de implementação da ZCLCA, prevista para 1 de Janeiro de 2021, sendo que no caso de Angola, um País Menos Avançado (PMA), esse período estende-se por um limite de 10 anos.

O que prevêem as modalidades de negociação?

As modalidades de negociação prevêem, igualmente, que 7,0 por cento das linhas tarifárias sejam consideradas “produtos sensíveis” identificados e negociados de forma a que o período de desmantelamento tarifário seja feito num prazo de 13 anos para os PMA e de 10 anos para economias mais avançadas no continente. Em relação à lista de “produtos de exclusão”, embora não estejam sujeitos ao desmantelamento tarifário, previsto nas duas modalidades acima descritas, importa referir que as mesmas são alvo de uma revisão quinquenal.

Qual será, por aqui, o impacto real nas economias?

O impacto real será sentido ao longo dos próximos 15-20 anos, tudo dependendo, claro, do nível de integração da nossa economia, particularmente das Pequenas e Médias Empresas nos canais de distribuição regionais e, consequentemente, nas Cadeias de Valor existentes, tanto em termos do comércio de mercadorias como do comércio de serviços. É importante notar que a ZCLCA tem na primeira fase de negociações, aspectos prioritários ligados à ofertas no comércio de mercadorias e ofertas de compromissos específicos no comércio de mercadorias em 5 sectores (e respectivos subsectores) iniciais: Transportes, Turismo, Telecomunicações, Serviços Financeiros e Serviços Profissionais, essenciais para facilitar o comércio transfronteiriço, assim como para alcançar níveis de concorrência elevados no sector Agrícola e da Manufacturação.

Qual é neste momento o volume financeiro que representa o comércio africano?
O último Relatório da CNUCED (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) sobre o Desenvolvimento Económico em África, situa o comércio intra-africano a uma cifra de 69 mil milhões de dólares em 2019, representando apenas 15 por cento do total do comércio feito pelo continente com o resto do mundo, um decréscimo em termos comparativos com 2017, onde esteve situado em 16,6 por cento. Para além de ser um nível ínfimo de comércio “entre vizinhos”, acresce o facto de haver uma concentração exacerbada das exportações e níveis desfasados de integração, sendo a região da SADC a mais integrada, com 84,9 por cento de comércio intra-regional, comparado com outras Comunidades Económicas Regionais como a COMESA e CEDEAO a um nível de 59,5 e 56,7 por cento, respectivamente.

Será este uma das barreiras para o avanço mais sólido da iniciativa africana?
Pelo contrário. A dependência extrema de África ao comércio com o resto do mundo é a principal causa da vulnerabilidade das suas economias aos choques externos e, por esse motivo, a instituição de um mercado livre continental deve levar ao aumento de oportunidades para as nossas empresas. É interessante notar que grande parte dessas exportações continuam a ser de matérias-primas ou produtos semi-manufacturados, mas que os principais destinos das mesmas têm em comum o acesso preferencial não recíproco oferecido pelos Países Desenvolvidos e Países em Desenvolvimento. Consequentemente, o estabelecimento de um processo transformativo como a ZCLCA com concessões de acesso preferencial aos produtos de origem africanos constitui, indubitavelmente, oportunidade para as PME alcançarem níveis de diversificação consideráveis a partir de uma especialização vertical, ou seja, focalizar numa produção específica para responder a procura local e com níveis de exigências técnicas mais “relaxados”. Todavia, para que o comércio intra-africano tenha resultados reais, é necessário mitigar o desvio de comércio, sendo isso feito a partir do estabelecimento de Regras de Origem flexíveis, de forma a permitir a “criação de comércio”, mas igualmente previsíveis para que os produtos que beneficiem de acesso preferencial verifiquem os princípios estabelecidos no Anexo II do Acordo.

As (des)vantagens competitivas entre os países não inibem o avanço das trocas e até mesmo a atracção de investimento?

Reconhecidamente, os desequilíbrios regionais em termos de desenvolvimento económico e industrial ou grau de complementaridade das estruturas produtivas criam determinados receios para a efectivação de ofertas de acesso aos mercados. No entanto, pensamos que o nível de abertura adoptada pelas diferentes economias do continente nos próximos 10 anos será determinante para o volume de investimento que será direccionado para os sectores. O facto é que em sectores com maior grau de abertura, como por exemplo o dos petróleos, é onde se verificam maiores fluxos de investimento. Temos agora de ser capazes de transformar a procura num factor orientador das decisões de produção e de investimento.
Fale um pouco da fase operacional?

A fase operacional foi lançada, pela Assembleia dos Chefes de Estado em Julho de 2019 e a ZCLCA deveria entrar em vigor a 1 de Julho deste ano, após a conclusão das negociações tarifárias entre os Estados Membros. Todavia, regista-se um atraso considerável, causado principalmente pela pandemia do Covid-19, tendo os Chefes de Estado decidido adiar até 01 de Janeiro de 2021. Por outro lado, em Agosto deste ano, o Secretariado Permanente da ZCLCA, instrumento da União Africana para a operacionalização da Zona, entrou em funcionamento com sede em Acra, Ghana. De momento, apenas 16 Estados, incluindo membros de Uniões Aduaneiras, apresentaram ofertas tarifárias para as mercadorias e 11 para o comércio de serviços e mantêm-se ainda acesas discussões para a finalização das Regras de Origem.

Estes receios ou atrasos podem ser vistos como boas razões para aqueles países que se negaram aderir ao pacto?

É realmente uma questão que tem sido amplamente discutida no Fórum dos Negociadores. Certamente que o atraso na apresentação das ofertas poderá resultar em que alguns Estados considerem o mercado a ser iniciado em Janeiro de 2021 não seja ainda suficientemente importante em termos comerciais. Por essa razão, o Secretariado Permanente apresentou uma proposta de calendário com reuniões negociais quase diárias, de forma a acelerar o processo.

Do lado de Angola, já está definido o que vamos garantir como mais-valia nesse novo circuito comercial?

A primeira questão que vem à tona é o facto de Angola ser o segundo maior produtor de petróleo da África subsariana e deve portanto tornar-se num exímio fornecedor de produtos refinados, pelo menos à região SADC. Por outro lado, tem grandes vantagens comparativas nos sectores dos serviços como a Energia e os Transportes e deveremos capitalizar nessas áreas e a partir daí alavancar o sector Agro-industrial, incluindo as pescas e produtos do mar.

Os receios dos empresários eram de sermos “engolidos” pelos gigantes do continente. Isso é já agora um não assunto?

A meu ver nunca foi um assunto, por si, pois os níveis de trocas comerciais de Angola no continente, aliado aos vários instrumentos jurídicos adoptados para uma protecção adequada dos produtores nacionais, deixa antever um determinado equilíbrio, em que os sectores expostos passarão a estar integrados numa economia mais competitiva, resultando em ganhos em termos tecnológicos e “know-how”. É verdade no entanto que devemos adoptar estratégias e medidas de apoio eficientes que levem à integração do nosso empresariado em Cadeias de Valor Regionais já identificadas ao nível da SADC, servindo de plataforma para a ZCLCA.

Também pode ser esta uma porta de excelência para o PRODESI?


Sem dúvida nenhuma que sim e por essa razão devemos pensar como direccionar investimentos financeiramente realizáveis, determinantes do aumento da capacidade produtiva dos diversos sectores. O PRODESI abre uma porta para a transformação estrutural da produção nacional e deve servir como base para que o empresariado consiga especializar-se na transformação das mercadorias e ajude dessa forma a estruturar uma cadeia de abastecimento e rede produtiva interna destinada ao sector industrial nacional. Isso levaria a uma diversificação da base produtiva, com a existência de vários subprodutos e consequentemente, da base de exportações.
A Zona apenas mobiliza o comércio ou também pode servir de factor de atracção de investimento inter-africano?

A segunda fase das negociações estará virada para o investimento, concorrência e Direitos de Propriedade Intelectual, no entanto, as questões de investimento são já discutidas dentro do Protocolo sobre o Comércio de Serviços. A meu ver, embora seja uma questão muito pouco discutida mesmo ao nível da OMC, a determinação de Regras de Origem para o comércio de serviços deverá igualmente ter um impacto considerável na de-terminação dos fluxos de investimento no Continente, considerando que deverão ter tratamento preferencial aqueles investimentos comprovadamente de origem continental. Mas também devemos pensar não somente em termos de Investimento Directo Estrangeiro mas igualmente em investimentos em Bolsa, de forma a capitalizar as nossas empresas, incluindo “start-ups”.

Concretamente com o Ghana, em que estágio caminha a cooperação bilateral?
Após a visita do Chefe de Estado Nana Akuffo-Addo à Angola, estabeleceu-se uma Comissão Bilateral e que tem, para além de outras, a responsabilidade de estabelecer um Acordo Comercial Bilateral. Os impedimentos gerados pela pandemia Covid-19 determinaram um atraso no cumprimento do Plano de Acção, mas é algo que será indubitavelmente resolvido em 2021.

Os números das trocas comerciais satisfazem?

Ainda não. Existe grande potencial e interesse para a expansão das trocas comerciais entre os dois países. Os dados mais recentes adiantam que Angola exportou ao Ghana, mercadorias no valor de 49 milhões de dólares em 2018, representando 0,12 por cento do seu mercado de exportação e importou 726 mil dólares em termos de mercadorias no mesmo período, representando 0,0045 por cento do mercado de importação angolano, sendo essa cooperação, maioritariamente, centrada em produtos das pescas e sector petrolífero (tubos de aço e ferro). E como se pode ver, há margem para crescer.

Indicadores
Negociações na Zona de Comércio Livre Continental Africana
verificam o princípio da eliminação progressiva das tarifas

13 anos

Tempo de desmantelamento para os Países Menos Avançados

16 Estados

apresentaram ofertas tarifárias para as mercadorias

69 mil milhões


representa o valor em dólares das trocas
intra-africanas, segundo o mais recente relatório da CNUCED

90 por cento

é a meta que se pretende alcançar por parte
dos países-membros durante um período de cinco (5) anos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui