INDULTOS E SUSPENSÕES

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Os últimos tempos jurídicos têm estado ocupados por dois temas. Os indultos concedidos pelo presidente da República a várias pessoas e a suspensão do mandato de alguns deputados alinhados com o novo partido PRA-JÁ.

Concordamos plenamente com a concessão de indultos, que permitem flexibilizar e/ou resolver problemas de justiça, e até defendemos, no mês de  Outubro passado, que deviam ser concedidos indultos a Adolfo Campos, Gilson Moreira (Tanaice Neutro), Hermenegildo Victor José (Gildo das Ruas) e Abraão Pedro Santos (O filho da revolução – Pensador), e ao jornalista Carlos Alberto.

É evidente que, num mundo ideal, a justiça funcionaria sempre e sistematicamente de forma justa e equitativa, e não seriam precisas intervenções externas, mas a realidade não é assim, razão pela qual os indultos são bem-vindos.

Aparentemente, o indulto que levantou polémica foi o concedido a José Filomeno dos Santos no âmbito do conhecido processo dos “500 milhões”.

Foram levantas várias questões jurídicas interessantes, levantadas por José Filomeno e por juristas eminentes. Destacamos duas:

  1. Pode ser concedido um indulto a um processo sem trânsito em julgado e em que não há cumprimento de pena?
  2. Pode um indulto ser recusado?

Em Angola, as normas básicas do indulto estão na Constituição e no Código Penal. Na Constituição temos o artigo 119.º n), que determina competir ao presidente da República “indultar e comutar penas”. Trata-se de uma norma sem restrições explícitas, nem remissão para qualquer regulamentação legal. Já o Código Penal, no seu artigo 139.º, n.º 4, estabelece que o indulto extingue a pena, lendo-se a contrario que não extingue o procedimento criminal (o crime).

Como se vê, a legislação é curta, estando-se perante aquilo que o teórico constitucional alemão Carl Scmitt chamava o verdadeiro poder soberano, o poder de discricionariamente decidir a excepção, para além da convenção habitual das normas. Não concordando com Schmitt nas suas opções políticas e ideológicas, é evidente que em termos teóricos ele faz uma boa descrição do poder soberano de um Estado, em que se enquadra o instituto do indulto.

Nesse sentido, não se deve tentar limitar o alcance do indulto, quando a Constituição e a Lei não o fazem. Por outro lado, deve-se lembrar que o indulto não extingue a responsabilidade criminal individual.

Com estes elementos poderemos analisar as questões referentes a José Filomeno dos Santos.

Em relação à primeira questão que se coloca, defende-se que o presidente da República pode conceder um indulto sem ter ocorrido o trânsito em julgado nem estar a ser cumprida pena. O que o presidente da República faz é uma prospectiva. Se determinada pessoa for condenada a cumprir uma pena, essa pena é indultada, não será executada. É um indulto prospectivo, condicionado à condenação efectiva a pena de prisão. Nada impede que haja condenação, nem o indulto viola a presunção da inocência. O indulto só actua se houver condenação; se não houver condenação, não actua. A título de comparação, veja-se um caso recente nos Estados Unidos: Joe Biden perdoou a Anthony Fauci, o cientista responsável pelo combate à covid-19, que nem sequer está a ser investigado por nenhum crime, estendendo largamente a amplitude dos poderes presidenciais americanos.

No caso de José Filomeno, é certo que ele não foi ainda condenado, nem absolvido. Ao contrário do que muitos alegam, o Tribunal Constitucional não o absolveu, antes mandou o Tribunal Supremo rever o processo condenatório, de sentido de lhe retirar as inconstitucionalidades. É ao Tribunal Supremo que compete a palavra final em termos de absolvição ou condenação. O que se pode mencionar é que o Tribunal Supremo não terá obedecido, na sua totalidade, à decisão de retirada das inconstitucionalidades ordenada pelo Tribunal Constitucional, e aqui estamos perante outro tema: o da execução das decisões do Tribunal Constitucional.

O certo é que no momento processual anterior ao indulto, a José Filomeno dos Santos tudo poderia acontecer: ser condenado em definitivo, ser absolvido em definitivo ou ver o processo prolongar-se bizarramente num pingue-pongue entre o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional. Aliás, neste momento, o processo já devia estar decidido em definitivo, quando parece que está emperrado no Tribunal Supremo. Nos termos de um despacho de 8 de Janeiro de 2025, do Tribunal Constitucional, parece que este tribunal ainda aguarda a subida dos autos do Tribunal Supremo. Inexplicável.

Nesta medida, e face ao exposto, a decisão de indultar por parte do presidente da República é adequada em termos constitucionais. Os impactos políticos e a sua relevância são outro tema. O que também deverá ser avaliado, em termos de justiça, é a situação dos outros arguidos do processo em que se enquadra José Filomeno. Aristóteles referia que a justiça possuía uma importante implicação política, tal significando que a justiça se exercita e tem como referência a vida em sociedade (a pólis). A justiça visava a vantagem comum. Nesse âmbito, é importante referir que uma elementar justiça implica que o indulto referente a José Filomeno dos Santos deveria ser estendido aos outros arguidos no processo acusados de crimes semelhantes.

Por outro lado, José Filomeno dos Santos agiu dentro da sua liberdade e livre determinação ao recusar o indulto. Uma vez que o indulto não extingue a responsabilidade criminal, José Filomeno não vê a acusação de ter cometido crime apagada e, nesse sentido, tem todo o direito de recusar o indulto, seja por razões políticas, psicológicas, de ética pessoal ou mesmo por solidariedade para com os seus co-arguidos. Tem liberdade de não aceitar uma oferta presidencial. Tal decorre directamente do artigo 1.º da Constituição, que assenta a República na dignidade da pessoa humana. Portanto, José Filomeno se não quer, não tem de querer.

Ainda sobre o indulto, entende-se que o presidente da República, considerando o carácter do indulto como poder soberano discricionário, tem a faculdade de o revogar a todo o tempo até ao momento em que ocorreria o termo da pena, em condições a definir pela doutrina e jurisprudência.

O outro tema foi a suspensão dos mandatos dos deputados do PRA-JÁ, conforme anunciado pelo partido: “Sete deputados do Grupo Parlamentar da UNITA solicitaram a suspensão de mandatos na Assembleia Nacional por pertencerem à liderança da força política recém-criada PRA-JA Servir Angola, anunciou o presidente do partido, Abel Chivukuvuku. Em declarações à imprensa, à saída de uma audiência com a presidente da AN, Carolina Cerqueira, o líder do PRA-JA Servir Angola disse que o encontro serviu para informar a líder da AN da suspensão dos mandatos, iniciados em 2022.”

Esta decisão parece não cumprir a Constituição. A lei fundamental angolana, no seu artigo 152.º n.º 2, c), é muito explícita, prescrevendo que o deputado perde o mandato sempre que se filie em partido diferente daquele por cuja lista foi eleito. Trata-se, por isso, de uma situação de substituição definitiva prevista no artigo 153.º, e não de uma mera suspensão que pode voltar atrás (art.º 151.º). A suspensão implica que os deputados do PRA-JÁ fizeram algo que é provisório e temporário; se alguma coisa correr menos bem, podem voltar para os seus lugares como deputados. Pelo contrário, deveriam ter feito uma renúncia pura e simples – a “queima dos navios” para seguirem em frente. É isso que deriva da letra da Constituição.

FONTE: MA

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