Governo inicia exumação das vítimas do 27 de Maio

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O Executivo inicia, nos próximos dias, o processo de localização dos restos mortais das vítimas do 27 de Maio de 1977, para a exumação e entrega aos familiares.

O anúncio foi feito, ontem, em Luanda, pelo Presidente da República, João Lourenço, numa mensagem sobre os 44 anos dos trágicos acontecimentos que se seguiram ao 27 de Maio de 1977, que vitimaram um número indeterminado de cidadãos.
Dos restos mortais (ossadas) a serem localizados, estão os de Alves Bernardo  Baptista (Nito Alves), Jacob João Caetano (Monstro Imortal), Ernesto Eduardo Gomes da Silva (Bakalof),  Sita Maria Dias Valles (Sita Valles), José Jacinto da Silva Vieira Dias  Van-Dúnem (Zé Van-Dúnem), António Urbano de Castro (Urbano de Castro), David Gabriel José Ferreira (David Zé).

Constam ainda os nomes de Artur de Jesus Nunes (Artur Nunes), Pedro Fortunato, Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk), António Lourenço Galiano da Silva,  Domingos Ferreira de Barros (Sabata). Destacam-se ainda ex-militares da 9ª Brigada, ex-militares do Destacamento Feminino e ex-militares da DISA.
Segundo o Chefe de Estado, serão ainda entregues às respectivas famílias as ossadas de Jeremias Kalandula Chitunda, Elias Salupeto Pena e Adolosi Paulo Mango Alicerces, tombados em combate no conflito pós-eleitoral de 1992, na cidade  de Luanda.

João Lourenço esclareceu que, pelo tempo transcorrido, “é de se esperar que não se consigam localizar e identificar os restos mortais de todas as vítimas”. “Mas tudo faremos para que o maior número possível de famílias atingidas possam realizar um funeral condigno dos seus ente-queridos, pedindo, desde já, a compreensão de todos para aqueles casos em que não for possível atingir este objectivo”, disse.
O Presidente da República disse acreditar que este gesto, “carregado de emoção e de  um grande simbolismo, proporciona um  grande alívio às famílias das vítimas, mas também ao Estado angolano, que, através do actual Executivo, decidiu quebrar o silêncio de mais de quatro décadas”.

“Este constitui um momento de alegria e, ao mesmo tempo, o do  derramar de lágrimas contidas por muitos anos, que nos trazem o alívio almejado e nos levam a jurar não permitir que o país volte a viver tão tristes acontecimentos algum dia”, sublinhou.

Falando perante membros do Conselho da República, da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, líderes das Igrejas e representantes de organizações da sociedade civil, no jardim do Palácio Presidencial, o Chefe de Estado disse que, devido à necessidade da manutenção do sigilo, até ontem, apenas nos  próximos dias serão feitas as primeiras escavações e dados os primeiros passos na materialização do que foi anunciado.
O Presidente João Lourenço anunciou, ainda, o início, hoje, do processo de entrega das primeiras certidões de óbito aos familiares das vítimas do conflito do 27 de Maio de 1977. Ciente da importância e da necessidade de o fazer, ao dar este passo por iniciativa própia, acrescentou, o  Estado angolano abre uma nova página da sua História  e encoraja a todos os outros actores e participantes nos conflitos políticos a fazerem-no igualmente.

Vítimas da Jamba

Para João Lourenço, a História não se apaga, a verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem as necessárias medidas preventivas,  para evitar que tragédias idênticas se repitam.
“Este povo heróico e generoso, que já deu provas de saber perdoar, merece ouvir igualmente, de quem tem a responsabilidade de o fazer, um pedido público de desculpas e de perdão pelas almas de  Tito Chingunji, de Wilson dos Santos e respectivas famílias, das valentes mulheres das fogueiras da Jamba, dos passageiros do comboio do Zenza do Itombe, dos mártires das cidades do Cuito (Bié) e do Huambo e de outros não citados aqui”, sublinhou.
O Chefe de Estado disse estar convencido de que, com este gesto, as almas das vítimas dos conflitos políticos terão a  paz necessária para o repouso eterno.

“Com este virar de página, que nos conduz à  reconciliação genuína dos angolanos, independentemente das cores partidárias,  exorto a todos os cidadãos angolanos a dedicarmos todo o nosso saber, todas as nossas energias, à causa da edificação do nosso projecto de Nação, do desenvolvimento económico e social, pela  prosperidade e bem-estar dos angolanos”, apelou.
      Pedido de desculpas
O Presidente da República pediu desculpas públicas e perdão pelas execuções sumárias que se seguiram, como reacção das autoridades à tentativa de golpe de Estado, a 27 de Maio de 1977.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo, procurando os culpados; importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito,  viemos,  junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos no geral, pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas  e o  perdão, pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas  circunstâncias”, declarou.
Este pedido público de desculpas e de perdão, sublinhou, não se resume a simples palavras. “Ele reflecte o nosso sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que ao longo destes anos as famílias carregam consigo,  por falta de informação sobre o destino dado aos seus ente-queridos”, disse.
João Lourenço fez uma descrição dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, em que um grupo de cidadãos organizados levou a cabo uma tentativa frustrada de golpe de Estado, matando altas figuras do poder instituído, com destaque para  o ministro Saidy Vieira Dias Mingas, os comandantes Paulo Silva Mungungu “Dangereux”, José Manuel Paiva “Bula”, Eugénio Veríssimo da Costa “Nzagi”,  Eurico Gonçalves e os cidadãos Hélder Ferreira Neto, António Garcia Neto, Cristiano dos Santos e Adelino Recua.


Reacção desproporcional
No intuito da reposição da ordem constitucional, prosseguiu, a reacção das autoridades de então foi desproporcional e levada ao extremo, tendo sido realizadas execuções sumárias de um número indeterminado de cidadãos angolanos, muitos deles inocentes.
Para João Lourenço, a postura de um Estado perante situações adversas e de extrema tensão deve ser, sempre que possível, ponderada e comedida, pelas responsabilidades maiores que o Estado tem na defesa da Constituição, da Lei e da vida humana.
Lembrou que, nos últimos anos, Angola tem vindo  a desempenhar na região um papel de promotor da paz pela via do diálogo, de apaziguador de tensões e conflitos internos ou inter-estatais. Entende ser importante a acção da diplomacia angolana, mas considera mais importante o país trabalhar continuamente para  sarar, em definitivo, as feridas ainda prevalecentes dos próprios  conflitos políticos.
O Chefe de Estado referiu que o processo de reconciliação iniciado a 4 de Abril de 2002,  amplamente aplaudido e encorajado, deve ser contínuo e com o compromisso de todos  em renová-lo constantemente, para que se  fortaleça e se consolide.

Foi nesse quadro o Chefe de Estado criou, por despacho presidencial de 16  de Maio de 2019,  a Comissão para a  Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos desde a nossa Independência Nacional e que tem vindo a trabalhar num ambiente de harmonia com os representantes de partidos políticos com assento parlamentar, com membros de Organizações da Sociedade Civil e familiares das vítimas.

Fonte:JA

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