Jovem deprimido, tenente das FAA tira a própria vida; Jovem tenta tirar a própria vida atirando-se da pedonal abaixo; jovens, abordo de uma viatura desgovernada, embatem contra instalações do Porto de Luanda, causando incêndio e danos de proporções elevadas; movimentos de pressão buscam outras formas de constatação, …. Estamos diante de factos dignos de um roteiro dramaturgo que retrata a decadência social em Angola.
Por: Simão Afonso *
Os factos recentes, infortúnios envolvendo cidadãos, no coração da juventude, uma manifestação, irretórica, de psicose social em Angola, com impacto significativo na faixa etária com maior percentual populacional: a juventude.
É evidente que numa análise síntese sobre as motivações de tais factos, as conclusões tenderão para o uso descontrolado de álcool, drogas e questões passionais. Contudo, a pobreza, o desemprego, a desestruturação das famílias, que são males precipitados por políticas governativas antissociais, tendencialmente, não são considerados como fontes primárias que estimulam tais factos.
Hoje por hoje são muitos e bastante notórios os sinais que manifestam a ruína do estado-nação em Angola. Tratam-se de factos que conformam reflexos inequívocos da catadupa de politicas governativas, despidas do espirito comutativo, distributivo, solidário e humano, dando azo à um ambiente de verdadeira depressão, com níveis de degradação social sem precedentes.
No contrato social, segundo Thomas Hobbies, Jhon Locke e Jean Jacques Rousseau, o Estado é relegado a condição de ente gestor da rés pública, a coisa de todos, sendo o facilitador do acesso do cidadão ao bem público, garantindo a equidade na redistribuição das riquezas. Neste acordo o Estado é parte contratual que actua nos marcos do princípio da boa-fé, com a nobre missão de garantir a paz, a justiça e a segurança social.
A Constituição da República de 2010, que estabelece os limites do contrato social em Angola, prevê no seu artigo 21.º, nas suas alíneas b), d) e e) que, dentre as várias missões, o Estado deve assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais; promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populares mais desfavorecidos. Entretanto, o Estado deve promover a erradicação da pobreza.
Os sintomas da depressão vigente na sociedade angolana não têm precedentes históricos. O apogeu dos 16 anos da guerra civil e os cerca de 10 anos após o alcance da paz em 2002 não registaram escaladas elevadas de psicose social como a que se regista nos dias de hoje.
A fórmula governativa aplicada em Angola, há cerca de meio século, observou um processo gradual de desajuste a necessidade da realização do país-nação. A partir de 2020 Angola regista uma cifra significativa de suicídios, com maior incidência nos adolescentes e jovens, um elevado número de pessoas com perturbação mental e pedintes nas ruas, assaltos e roubos com uso de arma de fogo, resultando em várias mortes, etc. Em 2017 ganharam mais vida os relatos de números significativos de cidadãos nacionais a abandonarem o país através de um percurso bastante agreste, com o pico na travessia marítima de 13 km, entre o Marrocos e a Espanha, muito dos quais nunca chegaram ao seu destino.
A VOA, numas das edições, recentes, informa que, o último relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo de Portugal mostra que, em 2020, Angola foi o segundo país com mais pedidos de asilo e o quarto na solicitação de nacionalidade portuguesa. Desde 2017, o número tem vindo a crescer. Nos últimos quatro anos, mais de 700 pediram asilo nas terras lusas. O Consulado do Brasil, segundo o Novo Jornal, diz que recebeu, de Outubro de 2022 a Janeiro deste ano, mais de 12 mil pedidos de visto, um número superior comparativamente aos anos anteriores. O número de angolanos a chegarem aos Estados Unidos tem também vindo a aumentar nos últimos anos, a maior parte pedindo asilo politico quando chegam ao país, principalmente através da fronteira sul, vindo dos México onde chegam geralmente via Brasil.
Os pedidos de passaporte no SME e vistos tiveram uma escalada alarmante nos últimos anos no país, gerando cenários com enchente de multidão nestas instituições. A situação precipitou a criação do movimento “Vamos sair do País”, como forma de contestação a realidade económica e social em Angola.
Os emigrantes não estão apenas desesperados por um emprego, pois há jovens com salários acima de um milhão de Kwanzas e margens para crescer na profissão que abandonaram tudo, cansados das condições que Angola oferece, ou procurando condições mínimas, como segurança, educação de qualidade, saúde e estabilidade, cita o jornal.
O decadente ambiente social em Angola criou um estado de insegurança que abala, também, as classes sociais mais abastadas, onde se encontram muitos dos dirigentes do governo. Muitos dos seus parentes do primeiro grau imigraram para a diáspora. Quase todos domingos, dirigentes angolanos desembarcam no aeroporto internacional 4 de Fevereiro, regressando da diáspora, onde foram passar o final de semana com os parentes. Angola tornou-se num território meramente laboral para estes. Do outro lado, encontram-se o grosso dos angolanos, desempregados, sufocados por um ambiente económico e social tenebroso, com oportunidades remotas de obterem o mínimo existencial, e sem possibilidade de poderem imigrar em busca da estabilidade desejada. Os infortúnios acima citados diagnosticam o estado de profunda depressão social em AngolaO ambiente politico, com sinais materiais de bipolarismo imperfeito, onde o MPLA e a UNITA têm ascendência considerável sobre as demais forças politicas, em que o MPLA impõe um estatuto hegemónico dominante e a UNITA é relegada a condição de mera aspirante ao poder. O Bloco Democrático, que surge num escalão mais abaixo, dando sinais da sua pretensão de se constituir num interlocutor válido na defesa da causa social e o PRA-JÁ, projecto politico que aspira a sua legalização como partido politico, são duas forças politicas com acções visíveis e que pretendem frustrar a crescente tendência da bipolarização da politica partidária em Angola.
O governo e o partido que o sustenta, o MPLA, mantem-se, de pedra e cal, na implementação do programa de governo, apelando a crença dos cidadãos na melhoria das condições sociais. Ao passo que as forças políticas da oposição, com a UNITA a testa, defendem a necessidade de o pais ter um outro modelo de administração, suportado por um outro partido político, como a única via para melhores condições sociais em Angola.
A sociedade civil, que nos últimos anos tem realizado várias manifestação, através de vários grupos de pressão, causou desgastes significativos à imagem do governo angolano, mas não foi além disso. A repressão agressiva às manifestações, as mortes, as prisões arbitrarias de vários activistas, o suborno com avultadas somas de dinheiro, residências e viaturas, foram alguns dos métodos que o governo angolano usou para abrandar o nível crescente de contestação, tendo alcançado relativo êxito.
A sociedade civil, nas últimas eleições gerais, apostou todas as suas moedas nas forças políticas da oposição, e, viu-se defraudada, segundo posicionamento de alguns dos seus expoentes. Dizem que, a oposição deixou-se impor uma derrota nas eleições de 24 de Agosto de 2022.As manifestações recentes, o 31 de Março, “Ficam em casa”, e o 4 de Abril, o “O panelaço”, são sinais de algum processo gradual de readaptação e reinvenção táctica nos movimentos de pressão em Angola, e que, de igual modo, conformam avisos claros, quer ao partido que suporta o governo, quer as forças políticas da oposição.
Este reposicionar dos movimentos de pressão complicará as contas dos dois visados nos próximos pleitos eleitorais.Há sinais visíveis de mudanças no comportamento do cidadão comum, face aos estímulos da governação, há muito mais consciência cívica nas acções e reações da população.
O contexto sociopolítico em Angola assemelha-se a um vulcão em erupção, com larvas de intensidade gradual. Aos actores políticos restará munir-se de capacidade visionária para absorver, com propriedade tais sinais, porque, deste quesito depende, em grande medida, a sua sobrevivência.
* Jurista, Activista político e social