Famílias de quatro vítimas de conflitos armados cujos restos mortais já foram identificados vão ser chamadas, na próxima semana, para trabalhos de reconhecimento dos cadáveres e testes de ADN, anunciou, ontem, em Luanda, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz.
Falando na qualidade de coordenador da Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), Francisco Queiroz alertou que o procedimento é complexo, porque vai passar por uma identificação visual e por um diagnóstico de ADN.
Para os testes de ADN, a Comissão conta com a actuação do Ministério da Saúde, representado no grupo técnico de trabalho, para serem entregues posteriormente a cada família os restos mortais das vítimas de conflitos políticos.
“Tudo isso vai acontecer dentro de um horizonte que será definido pelas autoridades sanitárias”, assinalou o ministro, que apelou às famílias a colaborem e cumprirem os procedimentos médico-sanitários definidos.
Na reunião, em que estiveram presentes familiares de Arlindo Chenda Pena “Ben Ben”, Alicerces Mango e de Jeremias Chitunda, além da presença de Marta Chimbili, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos anunciou a abertura, no Pavilhão Arena do Kilamba, em Luanda, do processo de recolha dos pedidos de certidão de óbito das vítimas dos conflitos políticos.
Depois de recolhidos os pedidos e introduzidos numa base de dados nacional, a Comissão vai fazer imediatamente a certificação do óbito e, em acto subsequente, um conservador vai emitir no local a certidão de óbito e entregar às famílias que solicitarem.
“Este processo tem de ser feito de forma muito organizada e tecnicamente arrumado, porque pode haver fraude ou duplicação, logo temos de prevenir o sistema disso”, disse. Francisco Queiroz garantiu que, a partir de segunda-feira, o sistema está pronto para ser colocado à disposição da população interessada.
Na reunião, realizada no mesmo dia em que foram feitas homenagens às vítimas de conflitos armados, o ministro Francisco Queiroz confirmou que, em relação à entrega de certidões de óbito, funciona um modelo que passa pelas conservatórias de registo civil espalhadas por todo o país, administrações municipais e comunais próximas dos locais de residência, onde as pessoas podem requerer certidões de óbito.
Localização das ossadas
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos reafirmou ontem aos órfãos, viúvas e famílias das vítimas dos conflitos políticos, desde a Independência até 4 de Abril de 2002, que vai localizar as ossadas e atribuir as respectivas certidões de óbito.
A garantia foi dada na cerimónia em que cerca de 200 pessoas, entre as quais políticos, entidades religiosas e da sociedade civil, renderam homenagem às vítimas dos conflitos políticos.
Na sua intervenção na qualidade de coordenador da Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação das Vítimas de Conflitos (CIVICOP), Francisco Queiroz indicou que o Executivo vai guiar-se em duas listas, uma apresentada publicamente pelo Governo no dia 26 deste mês e outra que deve ser elaborada e enriquecida por particulares, para acolher um maior número possível de vítimas dos conflitos políticos.
Depois de depositar uma coroa de flores no Largo da Independência, o ministro Francisco Queiroz disse que o processo vai prosseguir numa dimensão mais concreta, cumprindo com o que foi orientado pelo Presidente da República, João Lourenço.
O ministro anunciou o reforço do trabalho da Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação que, nos últimos dois anos tem trabalhado na aproximação das partes desavindas, aproximar opiniões e verdades que cada um apresentava sobre as vítimas dos conflitos políticos.
“Perdoar e abraçar o irmão, mas jamais esquecer”
Identificado como alguém que esteve directamente envolvido nos acontecimentos do “27 de Maio”, o general Xaxá admitiu que a “purga” foi uma luta inglória que provocou
mortes desnecessárias. O general sublinhou que o “27 de Maio” foi um episódio que atingiu o povo angolano e manchou a história do país. “Volvidos 44 anos, reconhecemos que houve excessos e erros naqueles acontecimentos”, disse, acrescentando que é preciso reconhecer também a importância do acto simbólico enquanto primeiro passo para o tratamento do complexo caso.
O presidente da Fundação 27 de Maio, o general Silva Mateus, também reconheceu os erros cometidos, mas assinalou que “as partes desavindas, num gesto de irmandade e de perdão, aceitaram estar num acto conjunto para assinalar a data, honrando a memória dos irmãos perecidos.”
O general afirmou que a cerimónia de ontem marca o início de “um novo ciclo de entendimento, de perdão e de reconciliação”. “A reconciliação nacional que se pretende é um acto sério que pressupõe o derrube de barreiras ainda existentes e ter confiança mútua entre as partes envolvidas, para perdoar e abraçar o irmão, mas nunca, jamais, esquecer o passado e com a vontade sincera de que não volte a acontecer.”
Ilda Urbano de Castro, filha do músico e activista político Urbano de Castro, e Carolina Ferreira, filha do músico David Zé (capitão das FAPLA), depois de receberem as respectivas certidões de óbito dos seus entes-queridos, assinalaram a importância dos documentos. As duas, presentes na cerimónia oficial de ontem, foram unânimes em reconhecer que, por falta de certidões de óbito, era muito difícil reconhecer documentos familiares.
Ontem, o grupo técnico reuniu-se depois da cerimónia de homenagem às vítzimas de conflitos políticos para analisar o processo de exumação das ossadas das pessoas que pereceram.
Homilia no Sant’Ana
Ainda ontem, no Cemitério de Sant’Ana, uma homilia em memória das vítimas do 27 de Maio de 1977 reforçou a importância do perdão e da reconciliação face aos acontecimentos que enlutaram famílias e gerações.
O padre católico Celestino Epalanga, que dirigiu a missa realizada momentos depois do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, depositar uma coroa de flores simbólica à entrada do campo santo, afirmou que as pessoas que perderam a vida naquela purga foram “vítimas da nossa incapacidade de aprender e perdoar os outros.”
Membro da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação, o prelado sublinhou que “só Deus tem o poder de sarar as feridas e as mágoas acumuladas nos últimos 44 anos”. Sem desprimor a outros conflitos armados que também fizeram vítimas humanas, o padre pediu que “seja elevado o grito a Deus para que nos leve ao arrependimento.”
Fonte:JA