Esquema de transferências milionárias de Isabel dos Santos à lupa em Portugal

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As autoridades judiciais portuguesas estão no rasto do circuito de offshores e “testas de ferro” da empresária angolana Isabel dos Santos, que terão levado 573 milhões de euros da Unitel para Portugal.

O banco português BPI, ligado a interesses empresariais da filha do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, denunciou várias operações da empresária angolano-russa, segundo uma investigação da revista portuguesa SÁBADO, sobre o esquema de transferências financeiras, com o título “O grande cerco da Justiça”.

A investigação jornalística dá conta de buscas feitas a “testas de ferro” de Isabel dos Santos, suspeitas na Zona Franca da Madeira (paraíso fiscal), offshores no Dubai (Emirados Árabes Unidos) e no Luxemburgo, milhões de dólares desviados da Sonangol, negócios da empresa NOS e da petrolífera portuguesa GALP, todos sob suspeita, e compra de um prédio em Lisboa. Todas estas operações estão sob vigilância apertada das autoridades judiciais lusas, segundo a revista SÁBADO.

A empresária, que já foi uma das mais ricas do continente africano, é também suspeita de lavagem de dinheiro e fraude, de ter feito empréstimos milionários, de criar um circuito financeiro via Eurobic (o seu banco vendido a um grupo empresarial espanhol há poucos meses) e de ter casas de luxo no Mónaco e no Algarve.

Considerada suspeita pelo facto de o caso encontrar-se ainda na fase de investigação, Isabel dos Santos terá aproveitado o seu controlo de facto sobre a sociedade UNITEL S.A.R.L, cujas acções estão arrestadas desde Dezembro último, pelo Tribunal Provincial de Luanda, a pedido do Ministério Público, por conta de uma dívida de 5,5 mil milhões de dólares ao Estado angolano.

Isabel dos Santos controlou durante anos a empresa de telecomunicações, absorvendo, além dos seus 25 por cento, outros 25 por cento que pertencem à Sonangol, da qual foi presidente do Conselho de Administração, numa estrutura accionista repartida em quatro, com 25 por cento para cada.

Nesta estrutura accionista da Unitel, o Estado está representado pela Sonangol, com 25 por cento, Isabel dos Santos tinha, até Janeiro último, 25 por cento, Leopoldino Nascimento “General Dino” (antigo chefe das Comunicações do ex-Presidente José Eduardo dos Santos), 25 por cento, e a PT Ventures/Africatel/OI outros 25 por cento.

Essa posição na Unitel terá sido aproveitada por Isabel dos Santos para transferir da mesma, sem justificativos, fundos para as contas da Vidatel Ltd em Portugal, de onde, depois, foram feitos circular por contas das entidades Unitel Internacional Holding BV, Athol Limited e Sílaba Real Estate Limited, além das contas particulares da mesma Isabel dos Santos junto do BPI e do Eurobic.

São esses os argumentos usados pelo Ministério Público português para desencadear a operação de buscas judiciais do Processo 252 (aberto este ano), uma diligência feita em conjunto com outros sete inquéritos-crime que visam a empresária, o marido Sindika Dokolo, vários supostos testas de ferro e dezenas de empresas e offshores que as autoridades portuguesas acreditam serem de Isabel dos Santos ou estarem sob a sua directa influência.

A SÁBADO, que cita documentos do Ministério Público, fala em transferências de centenas de milhões de euros com origem na UNITEL, ocorridas entre 2010-2018, que, alegadamente, serviram para Isabel dos Santos concretizar negócios privados, empresariais e pessoais, em diversos países. 

“Nos presentes autos está em causa a utilização do sistema financeiro nacional, em particular dos bancos BPI, S.A e do BIC Português, S.A (Eurobic), para o desenvolvimento de operações com fundos que se suspeita terem sido indevidamente sacados da Unitel, com a colocação em contas nacionais tituladas por entidades controladas pela suspeita Isabel dos Santos e para seu benefício pessoal”, concretiza o Ministério Público, que acrescentou dois dados públicos nos documentos citados pela SÁBADO: a empresária tem dupla nacionalidade (angolana e russa) e é filha do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Um dos casos de movimentações financeiras suspeitas a que se refere o órgão dirigido pela Procuradoria-Geral da República é um empréstimo conseguido da UNITEL, em 2013 (alegadamente não pago, mas já contrariado pela empresária) de 145 milhões de euros que terá sido usado para Isabel dos Santos realizar, neste mesmo ano, o aumento de capital da ZOPT, SGPS, empresa portuguesa onde foram fundidas as operadoras ZON e Optimus (NOS, detida em partes iguais por Isabel dos Santos e a Sonaecom).

Ainda há mais

O Ministério Público português já tem também dados referentes às primeiras transferências bancárias, a última das quais de Agosto de 2014 – um total de 654 milhões de dólares que entraram em contas portuguesas da empresária e de um offshore. 

“(…) O banco BPI interpelou a beneficiária final da Vidatel, a suspeita Isabel dos Santos, para que viesse documentar se as transferências recebidas no passado representavam a distribuição de dividendos (pagos pela UNITEL) ou o pagamento de serviços prestados”, refere o Ministério Público luso nos documentos já citados, concluindo que foi o próprio banco que comunicou às autoridades que a empresária angolana não o fez conforme a lei portuguesa. Aliás, não terão sequer dado quaisquer explicações para movimentos de 185 milhões de dólares.

Manobras de branqueamento de uma empresária

O Ministério Público luso considera, no Processo nº 252, que se está “perante fundos relativamente aos quais se suspeita fundadamente que têm origem em crimes de abuso de confiança e burla e que se encontram em manobras de branqueamento”.

 Por isso, o Ministério Público decretou a suspensão de movimentações bancárias de várias contas controladas directa ou indirectamente pela empresária em Portugal, bem como operações envolvendo o banco BIC Cabo Verde e o Eurobic, de que Isabel dos Santos é accionista. Nestes últimos, o órgão da PGR lusa refere que impediu uma transferência de 480 mil euros de Cabo Verde para o Reino Unido.

Já no caso do BPI, também este ano, 17 operações a débito de Isabel dos Santos terão sido bloqueadas por ordem do Ministério Público. Estavam em causa 5.2 milhões de euros e 6.5 milhões de libras inglesas (7.1 milhões de euros), totalizando 12.3 milhões de euros. A quase totalidade do dinheiro destinava-se a escritórios de advogados no Reino Unido, mas as ordens de pagamento abortadas tinham igualmente como destino empresas veículo detentoras de imóveis e um barco, bem como colégios, tudo no Reino Unido.

O Ministério Público luso garante que estas operações ordenadas por Isabel dos Santos eram “geradoras de risco de dispersão de fundos”, devido às notícias públicas sobre processos que envolvem a empresária em Angola e Portugal. 

Para sustentar a tese da dispersão do dinheiro da empresária, o órgão da procuradoria portuguesa ainda acrescentou um dado novo, que recolheu de contas do Eurobic: uma alegada testa de ferro de Isabel dos Santos terá ordenado, em Janeiro deste ano, três transferências, um total de nove milhões de libras inglesas (9,9 milhões de euros) da empresa T1000 (fundada em 2017 e, agora, em liquidação) para algumas das mesmas entidades (advogados) de Londres.

Além deste dinheiro, as autoridades portuguesas conseguiram também arrestar no BPI um total de cerca de 40,4 milhões de euros (em dólares e libras inglesas) que estavam nas contas da Sílaba Real Estate Ltd, em offshore constituída na Ilha Man (Reino Unido), que tem como representantes legais três cidadãos ingleses, mas que o Ministério Público suspeita serem testas de ferro de Isabel dos Santos.

De acordo com as autoridades portuguesas, a Sílaba recebeu, em Julho de 2015, uma transferência com origem na conta da Vidatel, tendo o BPI executado a operação, mas solicitado à empresária que justificasse o relacionamento entre a Vidatel e a Sílaba. “Tais esclarecimentos nunca foram prestados ao banco, sendo certo que o referido montante de 50 milhões de dólares teve origem última em fundos entrados na conta da Vidatel com origem na UNITEL”, garante o Ministério Público.

A investigação do Ministério Público está centrada nas movimentações de muitos milhões de euros que se verificaram até Fevereiro de 2018, com sucessivas dispersões de dinheiros por entidades alegadamente controladas por Isabel dos Santos, como a Kento Holding (com sede em Malta), que detém 17,35 por cento da NOS, Unitel International, com 32,65 da NOS, a Athol Limited (registada em Malta), a Fidequity, a Santoro (principal accionista do Eurobic) e a Niara Holding (Zona Franca da Madeira).

Os muitos milhões de Angola enviados ao Dubai para contas de Isabel dos Santos, dias depois de deixar a presidência do conselho de administração da Sonangol, terão voltado, em parte, a Portugal, para outras empresas controladas pela empresária. O Ministério Público português, segundo a SÁBADO, já identificou destinatários de 30 milhões de dólares. Estima-se que Isabel dos Santos terá transferido das contas da Sonangol mais de 100 milhões de dólares.

A intervenção da mãe Tatiana Regan

A investigação revela que o BPI tinha nos arquivos mais um dado que transmitiu ao Ministério Público: a Vidatel apresentou-se no BPI, até Setembro de 2008, identificando como directora a cidadã russa Tatiana Regan, tendo esta mandatado a filha Isabel dos Santos para poder movimentar as contas da empresa.

Depois, pelo menos de 2016, a primogénita de José Eduardo dos Santos assumiu no banco que era beneficiária dos activos associados às contas da Vidatel. A investigação ainda só está no início, mas será a mais avançada, até aqui, que visa Isabel dos Santos em Portugal, sem contar com o arresto (inclui as participações da empresária na NOS, EFACEC, GALP e BIC, Eurobic) que as autoridades portuguesas concretizaram no início deste ano a pedido do Governo angolano.

Neste caso, trata-se do Processo 210 e é quase impossível não ver neste inquérito como a cobertura legal (os crimes precedentes alegadamente verificados em Angola) para justificar as investigações autónomas portuguesas por suspeitas de lavagem de dinheiro. 

Até porque a quase totalidade dos novos inquéritos em que Isabel dos Santos é alvo nº 1 foram abertos depois da carta rogatória das autoridades judiciais angolanas, citando inclusive os alegados crimes comunicados a Portugal pelas autoridades de Luanda.

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