Crianças e adolescentes, sem meios de protecção individual à Covid-19, dedicam-se diariamente à recolha de garrafas plásticas em contentores de lixo, na centralidade do Mussungue, Lunda-Norte, para vender às mulheres que se dedicam à comercialização de óleo de cozinha.
Os adolescentes afirmam que os progenitores perderam o emprego por causa da pandemia da Covid-19 e a recolha de garrafas de plástico é uma forma de ajudar as famílias nas despesas de casa. A situação é real, mas os nomes colocados nesta matéria são fictícios, com a finalidade de se preservar a imagem dos miúdos face à protecção especial a que têm direito, em conformidade com a Constituição da República.
A Centralidade do Mussungue é considerada pelas autoridades o epicentro da pandemia da Covid-19. Da-dos oficiais indicam que 90 por cento dos infectados são assintomáticos.
José Nelson, 12 anos, vive no bairro do Aeroporto, periferia da cidade. Revelou à nossa reportagem que até Maio do ano passado, a mãe trabalhava como empregada doméstica numa residência da centralidade do Mussungue, mas por causa das restrições no quadro das medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19, os patrões mandaram-lhe, temporariamente, ficar em casa até que a situação epidemiológica do país melhore.
Segundo o garoto, a mãe, viúva, aguarda esperançosamente pelo retorno ao trabalho.
“Duas garrafas plásticas de um litro vendemos a 100 kwanzas, o mesmo preço que quatro garrafas pequenas. Um bidão de cinco litros também vendemos a 100 kwanzas”, explicou.
Mas na centralidade do Mussungue, os garotos não se limitam à recolha de garrafas para a venda. Também solicitam aos moradores ajuda em alimentos. Além de recolher garrafas e bidões, batemos portas para pedir óleo, açúcar, arroz , frescos e roupa usada”, contou José Nelson. Explicou que a irmã, de 16 anos, teve que interromper as aulas em consequência de duas gravidezes precoces que resultaram em igual número de filhos.
A irmã de José Nelson fica em casa a cuidar dos dois filhos e a ajudar a mãe na venda de carvão vegetal.
O rapaz garante que está matriculado na escola 4 de Julho, no bairro do Aeroporto, mas não se lembra da classe em que estuda. Questionado se já ouviu falar da Covid-19, José Nelson respondeu afirmativamente, sublinhando que as pessoas devem proteger-se usando máscara facial e lavando constantemente as mãos.
Referiu, no entanto, que a mãe não tem possibilidade de adquirir máscara facial por falta de dinheiro, uma vez que os parcos recursos que a família consegue têm servido para a compra de bens alimentares e vestuário. Fernando Mateus, 11 anos, reconheceu que não deve sair de casa sem observar as medidas de biossegurança, sobretudo o uso da máscara facial.
“Na Televisão e na Rádio dizem sempre que não devemos sair de casa sem máscara”.
Fernando Mateus vive no bairro Kamaquenzo-2 com o pai e a mãe. Além da recolha de garrafas na centralidade, dedica-se também à venda ambulante de detergentes e sacos de plásticos.
“Quando termino o trabalho de recolha de garrafas, a minha mãe manda-me para a zona comercial vender sacos pretos de plástico, detergente e sabão”, referiu. Fernando Mateus disse que nunca esteve matriculado numa escola, situação que espera ser resolvida pelo pai no próximo ano. “Eu não estudo. O meu pai é pedreiro, mas neste momento está sem trabalho. Ele disse-me que não tem dinheiro para matricular-me, por isso estou a trabalhar para ajudar em casa”, referiu. Fernando Mateus é o penúltimo filho de um casal com seis irmãos, cuja família conforme contou está a enfrentar muitas dificuldades.
Exploração do trabalho infantil
A chefe do Serviço Provincial do Instituto Nacional da Criança na Lunda-Norte, Madalena Alentejo, disse que o trabalho infantil continua sendo um problema generalizado, apesar do maior compromisso do governo.
Referiu que as autoridades locais esperavam que, com a aplicação das medidas de restrição, a exploração infantil diminuísse. “Esperávamos que com a pandemia a exploração do trabalho infantil reduzisse, mas está a acontecer o contrário. O número aumenta a cada dia” , lamentou.
Madalena Alentejo frisou que a recolha de lixo e venda ambulante deixam as crianças demasiado expostas ao vírus SARS-CoV-2, pelo que solicitou as famílias a preocuparem-se mais com os pequenos.
A responsável do INAC na província sublinhou, por outro lado, que muitas crianças vão parar à rua por acusações de práticas de feitiçaria, fuga à pensão alimentar devido a separação dos progenitores e pobreza.
Madalena Alentejo declarou que no Instituto Nacional da Criança chegam queixas contra marginais que, aproveitando-se da fragilidade das crianças, usam-nas em acções delituosas, sobretudo assaltos em residências e estabelecimentos comerciais.
Armando Sapalo | Dundo
Fonte:JA