Ontem doei os meus quatros olhos ao monitor de 13,3 polegadas do meu computador. Durante uma hora e trinta minutos, assisti “A Quiet Place” – “Um Lugar Silencioso” traduzindo para a Língua de Fernando Pessoa, Luís de Camões ou do incompreendido José Saramago.
“Um Lugar Silencioso” (“A Quiet Place”) é uma película americana lançada em 2018, do género suspense, terror pós-apocalíptico, drama, cuja trama se desenvolve numa fazenda nas terras de Angela Davis.
A fita retrata o drama de uma família que é perseguida por uma criatura aterrorizadora.
Para se protegerem dos ataques de fúria do bichano fantasmagórico, terrível, deviam permanecer num silêncio absoluto, a qualquer custo. O perigo era logo activado assim que emitissem qualquer som. Estavam condenados para sempre a não emitirem som algum que fosse, sobretudo os de alta intensidade, sob pena de serem devorados sem piedade. Ao assistir a lauta fita cinematográfica, ocorreram-me vários momentos e, num diálogo descontraído com os meus botões cerebrais, foi-me possível chegar aos pés dos seguintes cenários:
Cenário 1. O ser humano é um ser “barulhento”, que encontra satisfação ao expressar os seus mais profundos sentimentos de várias formas. A fala é uma delas, e, às vezes, mesmo gesticulando, não é compreendido, não é bem sucedido.
“Um Lugar Silencioso” não foi feito para ele. Apesar de ser adaptável, faz parte da sua ontologia, naturalmente, com maior ou menor grau de dificuldade, contornar os vários obstáculos, os vários caminhos marítimos que se lhe impõem. O seu aparelho fonador, a sua caixa de voz, o torna um ser que emite e produz sons convertidos em decibéis, por isso, quando nasce chora, impõe ao mundo que lhe preste a devida atenção através do seu soberano e inalienável vagido.
Cenário 2. O que seria do mundo se fosse um Lugar Silencioso como descreve a ficção cinematográfica? Sem poder emitir nenhum som, ouvir uma boa música, meter um ou mais dedos de conversa na ordem do seu dia? O mundo, hipoteticamente, seria mais tedioso. O tédio, a ansiedade, o suicídio, a violência, a frustração fariam mais vítimas, para engrossar a sua sádica estatística. A necessidade de consumir tensiolíticos seria como beber água ou fazer sexo de maneira desenfreada.
Cenário 3: O ser humano é um ser inquietante e curioso, que dificilmente se dá por vencido, queda-se ou arreda os seus pés de combatente; jamais aceitará viver num cenário assim, não baixa a cara à luta, prefere morrer, “matar” a viver acorrentado. Os bichos fantasmagóricos ou reais que se atrevem a atravancar o seu caminho são trucidados sem uma cachoeira de remorsos.
Cenário 4. Ao apreciar o filme tive um “insight”, a alteridade, a empatia, a comunhão de sinergias diante das adversidades fazem parte do rol dos mais nobres sentimentos, dos valores humanos. Os surdos-mudos emitem sons não “perceptíveis” para os falantes, a (nossa) ignorância é também uma crónica surdez ou mudez.
Através da linguagem que chamamos de gestual, ao adentrarmos na barca ou no mundo deles, onde eles falam sem sobressaltos, nós somos surdos-mudos. Devemos colocar a alteridade, a empatia na nossa agenda, no topo das actividades prioritárias.
Cenário 5. À guisa de conclusão, ao fixar atentamente os meus olhos na tela durante a deliciante uma hora e trinta minutos, em que enamorava o filme (cuja parte II está prevista para 22 de Abril de 2021) ou o filme me enamorava, lembrei-me com júbilo da emblemática frase do naturalista evolucionista britânico Charles Darwin, segundo a qual “Não é o mais forte que sobrevive, nem é o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”
Já agora, se não encontrares em nenhuma geografia “Um Lugar Silencioso”, procura dentro de ti.
Dentro de nós há de tudo: o bom e o mau, o positivo e o negativo, o mais sombrio e o mais puro dos sentimentos, os nossos medos, as nossas angústias, as nossas motivações, a vontade de nos aperfeiçoarmos, enfim, tudo e mais alguma coisa.
Sem mais linhas para coser o tecido textual, fico por aqui e até a próxima janela de oportunidade. Auguro!
Fonte:JA