As estrelas fazem por ser distintas, no momento de sair de cena. Com Paulo Alves “Paulão”, craque de pés de veludo, que partiu na noite de segunda-feira para a eternidade, cumpriu-se o roteiro perfeito das pessoas singulares.
Deixou de jogar em 2004, consagrado campeão do Girabola, ao serviço do Atlético Sport Aviação (ASA), vencedor da prova pelo terceiro ano consecutivo. No mesmo registo, a tristeza da morte invadiu os corações da família, pouco tempo depois de ter sido o homenageado da Rádio Cinco, no programa “Recordar é Viver”, na província do Namibe.
A 22 de Outubro completaria 52 anos de uma vida dedicada ao futebol. Primeiro como escultor de jogadas magistrais, a forma que encontrava para expressar com a bola no pé as qualidades humanas que o tornaram uma pessoa querida. Pela facilidade no trato e agilidade no momento de abraçar e confortar um amigo, ou incentivar o jovem talento à procura de espaço para fazer o percurso rumo à afirmação.
Do craque nasceu o treinador identificado com a descoberta e selecção de prodígios do futebol. Foi assim no velho relvado do ASA, no Aeroporto Doméstico, em Luanda, que de sintético apenas conserva o verde desbotado vencido pelo preto da borracha usada para impermeabilizar o terreno de jogo. Na simplicidade do vocabulário e da linguagem da bola, Paulão procurava artistas dignos do nome.
Dos Piôs do Pitéu, Agro Nacional, as memórias do Campo do Rafael, recreadas pelo músico e compositor Cândido Ananás, na homenagem de 8 de Agosto, a passagem pelo Inter do Namibe e Ferroviário da Huíla, antes de chegar ao 1º de Maio de Benguela e daí chegar como reforço ao Sport Lisboa e Benfica, o escultor da bola, autor de verdadeiros tratados, aprumou-se e, em 1995, sob a batuta do já finado técnico cabo-verdiano Carlos Alhinho e gestão visionária de Armando Machado, fez parte da geração que garantiu a primeira presença de Angola na fase final da Taça das Nações, disputada em 96 na África do Sul. Marito, Miúdo Neto, Hélder Vicente, Carlos Pedro, Quinzinho, Túbia, Abel Campos e Akwá destacaram-se na empreitada.
“Não contava ir naquela fase. Foi uma surpresa muito grande, quando as pessoas que estavam envolvidas na minha transferência disseram-me: – Paulão prepara-te, que há aí alguma coisa boa que está para aparecer. Mas estando em Portugal, tenho a certeza que dei o meu máximo. Fiz aquilo que tinha de fazer. As coisas que não fiz, é porque não fui capaz de realizar. Senti-me em casa e hoje sou muito acarinhado também em Portugal. Tenho um respeito muito grande pelos clubes por onde passei. Quando vou para lá, as pessoas reconhecem o Paulão”, lembrou Paulo Alves, no Recordar é Viver.
Dor do compadre
Mais novo, Akwá, maior goleador dos Palancas Negras, 39 golos, que formou com o antigo médio-ala uma parelha de desassossego para as defesas contrárias, exteriorizou a dor pela perda do amigo:
“É um momento de muita tristeza, porque há menos de duas semanas o Paulão foi homenageado no Namibe, pela Rádio Cinco. Receber uma notícia de morte acaba por nos apanhar a todos de surpresa, o que nos deixa desolados. Para além de ter jogado com o Paulão na Selecção, fomos colegas no Benfica, na Académica de Coimbra e também tínhamos uma amizade muito próxima. O Paulão é padrinho do meu filho mais velho. São várias as recordações. Falávamos quase sempre. Ficamos de falar do projecto da escola de futebol. Infelizmente essa conversa acabou por não acontecer. Era uma alegria contagiante. Pessoa de trato fácil e amigo dos seus amigos”.
Consternado, Sidónio Malamba, actualmente ligado ao Departamento de Futebol do Petro de Luanda, partilhou as suas memórias à Rádio Cinco. “O Paulão era uma grande inspiração para mim. Porque era meu mais velho e, quando comecei a jogar, também actuava como médio-ala, direito ou esquerdo. Quando tive o prazer de dividir com ele o balneário, ainda no ASA, onde fomos campeões, deu-me um grande orgulho. Aprendi muitas coisas com ele. Era uma pessoa que estava sempre predisposta a ajudar os jogadores mais novos. Comecei a fazer parte da Selecção muito cedo e ele era um dos capitães. Estou em choque!”
Ouvido pelo canal televisivo do Benfica, Pedro Manuel “Mantorras”, rendeu homenagem ao “camisola 7” que fazia vibrar a Cidadela e integrou, com o ghaneense Abedi Pelé, a Selecção de África. “Fico triste por esta notícia que recebemos hoje de manhã. O Paulão era uma pessoa animada, muito divertida, com quem tive o privilégio de partilhar o quarto na selecção. Eu levava as botas dele para o campo, por ser o mais novo no balneário, no tempo do professor Mário Calado. Era uma pessoa de bom coração. Perdemos um grande homem. Um grande benfiquista também. Quando assinei pelo Benfica, chamou-me e disse que eu estava numa grande casa. Deu-me conselhos sobre como funcionavam as coisas no clube.”
O clube português tornou público, ontem, um comunicado a reagir à morte do seu antigo futebolista. “O Sport Lisboa e Benfica lamenta profundamente o falecimento de Paulão, antigo avançado angolano que representou o clube entre 1995 a 1997. Nas duas épocas em que vestiu o Manto Sagrado, participou em 27 jogos oficiais pela equipa principal e apontou três golos.
Aos familiares e amigos do nosso antigo jogador, o Sport Lisboa e Benfica expressa as mais sentidas condolências em nome de toda a Família Benfiquista.”
Integridade humana
De Portugal chegou igualmente a reacção de Bernardino Pedroto, antigo treinador do ASA, que considerou ser para si uma honra falar do Paulão, pela simplicidade. “Os tempos que tivemos a oportunidade de conviver foram extraordinários. É um homem com integridade extraordinária. Solidário, amigo do seu amigo e com qualidades morais extremamente elevadas. Tivemos a oportunidade de criar fortes ligações, como devem compreender. Sobretudo ao nível do coração. Com um forte carácter emocional. Porque o Paulão realmente é um homem com uma humanidade incrível. Isto representa para mim uma estima muito grande e uma paixão que nutri por todos os jogadores com quem convivi e colegas de profissão. O Paulão foi uma pessoa especial”.
Rendido à beleza artística, o treinador português caracterizou o pupilo, enquanto atleta. “Sabemos que os valores que mencionei, quer do ponto de vista emocional quer das ligações que nos fizeram chorar e ter muitas alegrias, o Paulão transportava-os para o terreno de jogo. Sempre mostrou uma disponibilidade incrível para ajudar a equipa. Muito inteligente a jogar. Muito criativo. Se me permitem falar aqui, era a criatividade e a inteligência a divertir-se, como diria Albert Einstein. O Paulão sabia o que fazer da melhor maneira!”.
Notícia continua difícil de ser digerida no Namibe
A notícia da morte do ex- futebolista, Paulo Alves “Paulão”, antigo internacional pela Selecção Nacional, está difícil de digerir pelos familiares, amigos, naturais e amantes do desporto no geral, à nível da província do Namibe.
Dor maior sentem por no passado dia 8 do corrente, ter sido homenageado pela Rádio 5, canal desportivo da Rádio Nacional de Angola, pelos feitos alcançados ao longo dos anos de carreira.
Para Câmia dos Santos, uma das irmãs do eterno craque, a notícia caiu como uma “bomba”, para a família e todos os namibenses.
“Não acredito, que o meu querido irmão partiu, depois de muito tempo ausente, a semana passada deu para convivermos, recordarmos os velhos tempos, matar saudades, visitar amigos e familiares, está difícil, muito difícil”, desabafou.
A irmã mais velha, Alice dos Santos, disse que, a ida de Paulão ao Namibe serviu para “se despedir de todos nós. O Paulão se despediu de todos que sempre amou, foi uma semana de muita alegria, depois de muito tempo sem estarmos juntos”, contou.
Para Ernesto dos Santos, ex-administrador de Moçâmedes, irmão mais velho do craque, a partida prematura do patriota que deu o melhor em defesa dos interesses da Nação por via do desporto, deixa um enorme vazio no povo angolano e não só, porque de acordo com ele, Paulão foi um cidadão do mundo.
“O Paulão nasceu de uma família humilde, num bairro indígena, no deserto do Na-mibe. Foi no deserto que co-meçou a dar os primeiros toques na bola, com a ajuda do pai. O deserto fez dele uma gazela, muito veloz e habilidoso. Como patriota soube sempre representar bem a Selecção Nacional de futebol quando fosse chamado. Desde muito jovem abraçou a carreira futebolística, tendo passado por grandes clubes à nível nacional e também na Europa. Vamos sentir muito a falta do filho do Namibe, amigo de todos e muito amado nesta terra”, disse.
A notícia espalhou-se rapidamente , e em todos os cantos da cidade de Moçâmedes não se fala de outra coisa, senão a morte de Paulão o filho da terra, muito querido e amado por todos que conviveram e o assistiram, a jogar futebol. A população do Namibe aguarda com tristeza pela chegada dos restos mortais de um dos melhores filhos da província para renderem-lhe a última homenagem e o adeus final.
Manuel de Sousa | Moçâmedes
Fonte:JA