Bispo D. Carlos Kiaku: “Autores de vandalização de bens devem ser punidos exemplarmente”

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Jaquelino Figueiredo | Mbanza Kongo

O bispo católico da Diocese de Mbanza Kongo, D. Vicente Carlos Kiaziku, condena os actos de vandalização de bens públicos e privados e defende que os autores sejam punidos exemplarmente. Em entrevista ao Jornal de Angola, por ocasião dos 20 anos de paz, o prelado católico considera que “não se concebe vandalizar por vandalizar ou estragar por estragar um bem público”. Com efeito, advoga a punição das pessoas envolvidas em tais actos, “se não nunca mais vamos para a frente”. Em ano de eleições, D. Kiaziku exortou os eleitores a acorrerem em massa às urnas, em Agosto.

Como a Igreja Católica avalia os 20 anos de paz efectiva no país?

A minha avaliação pessoal é positiva, o que não significa suficiente. Mas é bastante positiva, na medida em que, pelo menos daquilo que se sabe, não temos tido aquela que é guerra clássica, digamos, a morte, ataques por armas, graças a Deus. Contrariamente ao que se vive noutros países africanos, eu até posso citar, por exemplo, quando visitava o Quénia, mesmo na Nigéria, o trajecto do aeroporto para casa era sempre com o coração na mão, porque a qualquer altura podemos ser atacados, porque a criminalidade era alta. Não digo que estamos isentos da criminalidade, mas ao longo dos 20 anos de paz efectiva que vivemos, a qualquer hora, a gente vai à Luanda e regressa, vê-se que há uma certa acalmia para não dizer total. Mas além desses aspectos, há aqueles conflitos sociais que não podemos negar. Mesmo aqui em Mbanza Kongo, entre os jovens e o Governo, os primeiros querem se manifestar e querem chamar atenção sobre a realidade social daqui do Zaire. Na visão dos jovens, está um pouco esquecida, está à esquerda, há tensões. Isso pode criar choques com a Polícia e significa que a paz total não está presente. Auguro que entre os membros da sociedade civil haja, também, a possibilidade de diálogo e que as manifestações sejam respeitadas. Também é importante aconselhar os jovens que, ao se fazerem às manifestações, sejam capazes de conter toda a animosidade e a Polícia, por sua parte, também. Já tivemos exemplos, de como algumas manifestações decorreram pacificamente. Então, podemos dizer que o processo da paz continua, é como diz a própria palavra “processo”, não acaba de pé para mão. Há necessidade que se continue a trabalhar neste sentido.  Isto também só será possível com o aumento do respeito e da democracia, de formas que, como alguns países conseguem, fazem suas manifestações tranquilamente, cada parte cumpre com próprio dever, assim a sociedade vai para frente…

Mas o motivo principal destes conflitos é só porque os jovens sentem-se esquecidos, como o senhor bispo afirmou, ou existem outras causas?

Claramente, os conflitos normalmente nascem por falta de justiça, enquanto não encontrarmos uma verdadeira justiça, enquanto os bens que recebemos da parte do Criador não estiverem ao alcance de todos da mesma forma – ou melhor dizendo, equitativamente, porque da mesma forma é impossível -, que todos recebam uma parte, haverá sempre possibilidade de conflitos. Mas, de uma maneira geral, podemos agradecer a Deus que, aqui pelo menos na província do Zaire, as coisas têm ido bastante bem, mesmo politicamente. Mas há pouco, na província do Uíge, concretamente no Sanza Pombo, houve conflitos. Aqui no Zaire, pelo menos, não me resulta que tenha ocorrido factos semelhantes.

Que avaliação faz dos 20 anos de paz?

A guerra é a maior negação dos direitos humanos, do direito à vida. Estamos a ver agora as imagens na Ucrânia, estamos a ver como é que, infelizmente, a vida não é, por nada, respeitada. Portanto, só este facto de não termos conflitos armados – conflitos onde o uso de armas seja uma realidade – é já uma grande paz. O facto das pessoas se poderem deslocar sem problemas de maior pelas estradas, também significa possibilidade de a gente organizar e avançar com a própria vida. Claramente, é um início! O resto depois tem que vir como consequência, porque não basta ir à Luanda, se depois, economicamente, a gente não consegue nada. Uns vão para lá a procura de emprego e não conseguem; então, tudo torna-se uma realidade penosa para os angolanos. Há, também, uma certa frustração, porque, sobretudo para nós que já temos uma certa idade e que vivemos no tempo colonial, sonhávamos ter uma vida boa. Dizíamos: “finalmente há independência, finalmente o progresso, finalmente, nós os donos da Nação…”. Mas esse processo, não podemos negar. tem algumas dificuldades. Aquilo que sonhávamos ainda continua ser um sonho, mas começou a se realizar. Tivemos uma guerra tremenda, agora temos a paz e voltamos a sonhar e, também, porque não dizer mesmo, alguns passos têm sido dados. Há avanços e recuos, agora com essas pandemias.

Quando fala em passos que têm sido dados refere-se a quê, concretamente?

Refiro-me, sobretudo, no capítulo económico. A economia é a base que nos dá alegria de ter uma vida boa. Espiritualmente, graças a Deus, temos uma carga muito forte. O africano, o angolano também, é muito forte. E é o que nos ajuda, também, a aguentar essa crise económica, porque estamos a ver seca ou não seca, porque a questão da fome é uma realidade. E um país rico como Angola, podia dar de comer não só a todos os angolanos, mas também a vários outros países africanos. Mas o que nos falta, a meu ver, é a organização e a produção. A gente tem visto na televisão, sobretudo nos meses passados, apresentavam-se muitas fazendas, produção daqui, produção dali… produção a todos os níveis, mas a gente vai ao Supermercado “Nosso Super”, por exemplo, não tem nada. Aqui inclusive fechou! Quando, se calhar, há tomate ou feijão a apodrecer no Bié, o Nosso Super aqui está encerrado. Nem para produtos agrícolas está aberto! Há muito tomate no Centro-Sul e a gente compra aqui uma caixa a 20 mil Kwanzas. Então, isto significa que há falta de uma certa organização, devemos admitir. Há livre circulação de pessoas e bens, mas as estradas não são suficientemente boas. Se os privados que produzem, por exemplo, no Centro-Sul tivessem as suas camionetas, trariam produtos aqui para o Norte. Um ou outro, consegue furar e vir.

 Quer dizer que, apesar desses 20 anos de paz, há ainda questões de base por resolver? 

Também. Mas é necessário, igualmente, uma maior inclusão, porque depois de tanto tempo independentes, depois da experiência negativa que tivemos da guerra, não houve inclusão como tal. O processo da reconciliação implica, também, a inclusão de todos os angolanos. Ainda não conseguimos superar esta dificuldade. Por exemplo, é de admitir, mesmo entre angolanos com certas responsabilidades, se não se tem cartão de um determinado partido enfrenta-se problemas. Essa é uma realidade e isto faz com que haja atrasos. Porque há muitos angolanos formados, mas há também muitos que estão subaproveitados, por não pertencerem a este ou aquele partido. Portanto, a inclusão é importantíssima para o desenvolvimento e mesmo para o processo de reconciliação. Quem sabe, sabe! E quem sabe, merece ser respeitado no seu saber. Muita gente que sabe está acantonada, porque não tem cartão deste ou daquele partido. Este é um atraso da paz, um atraso na verdadeira reconciliação entre nós, daí ser um processo. Atingiu-se uma certa reconciliação, mas falta ainda muito, para estarmos mesmo à vontade.

Descreveu aqui alguns ganhos que resultaram destes 20 anos de paz efectiva. Mas em gesto de comparação, antes e depois dos 20 anos, que avaliação se pode fazer quanto à pobreza?

 Há uma certa agudização da pobreza nesse tempo de paz. Não podemos dar só a culpa à natureza. Muitas zonas do Sul, por exemplo, estão com as torneiras fechadas, mas agudizou-se, a meu ver, porque não conseguimos uma produção que satisfaça todas as populações e não podemos dar só culpa a essa pandemia, mas a Covid-19 veio piorar a situação em todo o mundo. E é sempre assim: nos países mais pobres, a pobreza aumenta ainda mais, a miséria aumenta ainda mais. Os que já estão feitos, mais ou menos, aguentam. Nós temos um número de fábricas que fecharam, muitas lojas pequenas desapareceram. Então, significa que existem famílias que têm os pais desempregados e vivem graças aos arranjos que as mamãs conseguem fazer daqui e acolá. Por isso, a fome aumentou e a criminalidade também, sobretudo nas cidades. Mesmo aqui em Mbanza Kongo, os roubos aumentaram. Tenho recebido pedidos de ajuda da oração de pessoas que, por exemplo, estão no Uíge, onde a criminalidade está muito alta. Mas claramente, há fome, não obstante a paz. Há um outro aspecto: dependemos muito de fora, do petróleo, e com a queda do preço do barril, as importações diminuíram. Mas a base de tudo é a falta de uma produção suficiente interna, porque não podemos depender de importações em tudo. Para os produtos industriais sim, podemos importar, mas para os produtos da cesta básica, devia depender-se tudo de nós, dentro de Angola.

O nosso país tem nove meses de chuva, uma rede hidrográfica considerável. Parece-me ser uma das maiores do continente, mas produzimos pouco. Onde os governantes estarão a falhar?

Para mim é uma certa mentalidade que nos trava para que haja uma produção suficiente. Uma certa mentalidade não sei o porquê? Há pouco falei da organização, porque tractores temos, desde o tempo do socialismo. Quantos e quantos tractores que a gente via, hoje são sucatas! Quantos tractores, camiões, quantas alfaias que Angola importou? Temos adubos. Então, onde estamos a falhar? Claramente, há um trabalho árduo no início, há um trabalho bem organizado que é necessário, para que possamos colher os frutos. Estamos habituados a sobreviver, só vivemos para o dia seguinte, não nos preocupamos para o futuro. Mesmo a gente que estudou… não digo que devemos imitar os europeus… mas devemos ter uma mentalidade que nos leve a ter sacrifício no início e pensar um bocadinho mais no futuro. Já noutra entrevista, eu questionei: como é que algumas unidades de produção que estiveram nas mãos de cooperantes tinham uma certa produção e agora estão a zero? Mesmo aqui na nossa província, a “Agricultiva” foi uma fazenda que produziu bastante e hoje está toda sabotada. Então, o que falta? Para mim, a resposta é esta mentalidade. Os governantes também. Muitos não adquiriram conhecimentos. Não obstante tenham estudado fora, não aprenderam bem ou não têm essa mentalidade. Pronto não nos importamos com o sacrifício, queremos logo festa e alegria. Uma pequena produção, organizamos uma festa e, no dia seguinte, acaba. Não temos aquela mentalidade de acumular para vender, para adquirir lucros para o futuro.

Precisamos mesmo de mudar de mentalidade…

Devemos mudar de mentalidade, se quisermos avançar. Penso desta maneira, porque temos os meios. Também lamento, mas é uma realidade que eu vejo: há muitas fazendas que a televisão apresenta; mais da metade são dirigidas por expatriados e estão a produzir de facto. Mas as dirigidas por angolanos não estão. Ora, o quê é que se passa? Esta é uma realidade. Vai ao Huambo, vai a todo lado… quando a televisão apresenta onde há fazendas com muito avanço, é porque os chefes são expatriados. Nós angolanos, um ou outro, mas devia ser a maioria, porque muitos até têm licenciaturas e doutoramentos. Portanto, podemos ser mais produtivos. A gente no passado, por exemplo, nacionalizou muitas fábricas, mas foram transformadas em armazéns, ao invés de serem meios de produção. O comércio está nas mãos desses libaneses, malianos, etc., então, dão ao patrão (senhorio) uma certa quantia e contenta-se. Enquanto as fábricas que haviam sido nacionalizadas deviam ser entregues àqueles que são capazes de produzir, mas, infelizmente, não aconteceu assim. O mesmo aconteceu no Zimbabwe, onde Robert Mugabe (In memória) tirou toda a agricultura das mãos dos brancos, inclusive brancos de nacionalidade zimbabweana. Deu-a a outras pessoas, aos generais que são especialistas em outras coisas, mas não são especialistas na agricultura, ali está o resultado. Então, África toda tem que repensar e, nós os angolanos não estamos isentos. Pensávamos… eu me lembro… em 1979, depois da Independência, dizíamos sempre: “não seremos assim, não seremos como os outros africanos”. Depois de algum tempo, perdemos aquele sonho de sermos o farol da África; hoje não somos farol nenhum.

 O que nos falta para produzirmos como deve ser?

Também não entendo o que nos falta para sermos uma Nação competitiva a nível mundial e capaz de produzir como deve ser. Temos que mudar de mentalidade e de organização, só assim iremos para frente. Não sei se a culpa é de quem, mas constatámos que não há também diferença entre governantes e nós. Os governantes somos nós, aquela mentalidade de um todo. Todos deve trabalhar, remar para o mesmo sentido, para a gente avançar.

 O que tem a dizer sobre a vandalização de bens públicos e privados neste tempo de paz?

Esta, também, é uma interrogação que me deixa muito inquieto! Um edifício que custou milhões, que é para o bem de todo o povo, é para o bem de qualquer pessoa. Está ao alcance de qualquer pessoa, mas basta uma pequena distracção das autoridades, no mesmo dia é vandalizado quase a 100 por cento. Tivemos um exemplo aqui mesmo na nossa capital da província: uma escola, enquanto se preparava para ser inaugurada, foi totalmente vandalizada. Mas então, onde é que parte esta mentalidade? Então, eu me pergunto muitas vezes: mas são esses o produto da nossa Nação? São esses, nossos filhos? O quê é que transmitimos aos nossos filhos? Fala-se muito do resgate de valores mas será que conseguimos transmitir esses valores? A gente fica sem palavras. Claramente, é de condenar severamente, mas não basta condenar; devemos também associar à condenação a educação. Às tantas, também penso que a nossa educação, aquela familiar e também a pública, está a falhar e não conseguimos transmitir esses valores que são os básicos. Vandalizar por vandalizar, estragar por estragar um bem público não se concebe. Também a própria autoridade tradicional, hoje, já não controla nada. No sentido de transmitir valores, tem pouco a dar. Então, não sei dizer qual é a causa principal, mas que há falha na educação a todos os níveis, isto há. Há falha nos mais velhos. Já não conseguimos transmitir aqueles que são os nossos valores, nem valores culturais, nem aqueles africanos e nem outros internacionais; mas que é inexplicável e penosa, isto é. Nós temos que ver como combater este fenómeno, mesmo que haja uma necessidade de uma mão dura. Mão dura, claramente, acompanhada com a educação. Os nossos próprios alunos, se a gente não estiver atenta, são os primeiros que danificam a escola e outros bens. A questão da corrupção, por exemplo, toca também este aspecto, porque se não houver um controlo, com relação aos medicamentos, tudo desaparece. Numa cantina, se não houver controlo, tudo desaparece! Como é que se explica uma pessoa formada, um enfermeiro, um professor de um certo nível, que devia ter uma certa moral, é capaz, no seu ambiente de trabalho, de estragar ou partir para o vandalismo?

 A título de exemplo, as linhas férreas, também são vandalizadas…

É para ver. É toda uma cadeia bem montada. Lucro fácil! Eu vou vender ao tal e o tal reexporta para os outros países. Há contentores que, as vezes, são apanhados e outros escapam. Naturalmente, é toda uma sociedade que não está bem engrenada, estamos num mar. Mas, claramente, deve haver o rigor e serem punidos exemplarmente. Se não, nunca mais vamos para frente. A questão da electricidade, quilómetros de cabos já colocados são retirados, sem contar com os roubos nos armazéns. Grande esforço para importar e, depois, clandestinamente, estão a reexportar e assim querem um ganho? Portanto, de um lado, a gente tem de começar actuar e com rigor, se não vamos chegar até aonde?

Assiste-se, também, a uma série de actos de intolerância política. Qual é a razão para este comportamento?

As razões… uma resposta, se calhar muito fácil. É a falta de civismo, falta de uma cultura política, falta de respeito do diferente. Quer dizer, a gente cresce numa mentalidade totalitária e tem medo daquilo que não é conforme ao nosso pensamento. Temos medo daquilo que é diferente, do diverso e pensamos que, se admitirmos ou permitirmos que haja alguém com ideia diferente, acabamos por ser engolidos pelos outros. Então, há aquela defesa exagerada, que leva a considerar o próximo, não como adversário, mas como um inimigo e, possivelmente, um inimigo a abater. Então, temos que mudar de mentalidade. Devemos, também, aceitar esta mudança. Não é repentina, mas há necessidade de nos reeducarmos e a respeitar a opinião e as ideias dos outros. Claramente, o exemplo deve ser dado por todos e, sobretudo, por aqueles que têm a responsabilidade política, aqueles que falam à Nação, aqueles políticos que são chamados a apresentar a política do próprio partido, porque da forma como eles transmitem as mensagens, o próprio povo vai aprendendo positiva ou negativamente.

 Então, a principal responsabilidade é dos líderes dos partidos?

A grande responsabilidade, acho eu, está mesmo nos principais responsáveis dos partidos, que devem transmitir aqueles valores que fazem com que haja harmonia, tolerância, respeito e amor. Porque desde crianças, aquela educação que os pais dão às crianças tem a sua influência na adolescência e depois na juventude. Então, todos, na escola, nas igrejas, em todo e qualquer sector, se primarmos pelo respeito, tolerância e amor, também vamos colher bons frutos. Claramente, podemos dizer, bem, tantos anos de paz ainda não vencemos isso? Infelizmente é assim. E depois, como sabemos – essa é uma visão cristã – para nós, o homem tem no seu coração esse princípio do pecado e do mal que, se não forem vencidos, também dá nisto. Um exemplo: sem entrar nos particulares históricos, consideramos a Europa primeiro mundo, gente civilizada, gente que vive valores, mas olha essa guerra entre a Rússia e a Ucrânia… são do primeiro mundo e as super potências atrás. Então, só para dizer que o pecado é uma realidade humana e, para nós cristãos, o evangelho de Cristo ajuda a superar estas dificuldades e ajuda, também, a construir a harmonia, o amor entre os povos. Por isso é que tudo quanto for para bem por parte do evangelho, por parte das igrejas, também não deve ser temido, mas propagado, porque, afinal, de tudo isto, a gente só colhe aquilo que é importante para todos nós. Por isso, temos que mudar de mentalidade, temos que mudar mesmo de pensamentos e aceitar o outro. Afinal, é justamente ouvindo e defendendo-se que os outros contrapõem e a agente cresce. Se for só tudo na unanimidade, o país também não cresce!

Ao longo destes 20 anos de paz efectiva, aonde é quê as direcções dos partidos falharam, para que hoje estivéssemos a presenciar actos de intolerância política?

Olha, penso que aquela mentalidade belicista não desapareceu completamente. Tivemos a guerra contra o colonialismo português, por um lado, mas, de uma forma ou de outra, houve, também, rivalidade entre os movimentos de libertação. Esse foi, digamos assim, o nosso grande pecado e que levou-nos também ao pecado da divisão e a manter o colonialismo dentro do nosso país, porque a união faz a força e a divisão enfraquece. Então, esta mentalidade parte de um certo orgulho. Muitos lutaram não só pela libertação, mas também para depois serem os donos, os governantes deste país. E aquele medo, a falta de confiança, leva a temer, leva a uma certa insegurança e, como se diz, a melhor defesa é o ataque, então, sem mais sem menos, entra-se nesta mentalidade e ataca-se o suposto inimigo. Ao longo deste período, talvez a falta de confiança seja um dos grandes pecados. Devemos acreditar que a unidade é possível, acreditar que é possível vivermos como irmãos, mesmo politicamente, porque muitos dos nossos políticos até são compadres, mas na hora da verdade, temem-se reciprocamente. Então, aquela parte positiva que leva alguém a aproximar-se do outro esteja presente em todos os momentos. Podemos ter ideias diferentes, é natural, mas aquela camaradagem que as vezes cresce entre os parlamentares, por exemplo, que seja verdadeira e não algo de fachada. Estamos a comer juntos, conversamos muito bem, mas depois, afinal, interiormente, a desconfiança não desapareceu totalmente. Por isso, temos que ter uma confiança maior e recíproca e acreditar que, afinal, a irmandade é possível. Mesmo numa família biológica, cada um é livre de escolher a sua linha política, mas nem por isso deve deixar de reconhecer os aspectos positivos da irmandade presentes nos outros.

 Mas isso é um processo…

É um processo. Apesar de ser difícil, pode-se coabitar. Se não tivermos essa coragem, a coisa não irá para frente. Não podemos afirmar que os africanos vão estar eternamente divididos, não! Está no homem essa tendência ao mal, mas está também no homem a tendência para o bem. Pode-se e deve-se construir o bem, mas para isso é preciso criar mesmo uma confiança recíproca e demonstrarmos também, não só pelo respeito, mas também pelo verdadeiro amor, porque o respeito não é tudo, o amor sim. É uma manifestação que devemos ter dentro de nós em relação a qualquer pessoa, porque o amor conquista. Foram muitos anos de guerra, estamos ainda à procura desta verdadeira unidade, mas tudo é possível onde há boa vontade. Mas insisto: devemos ter aquela educação própria que nos leva a ter também um país bom. Por isso é que se diz “o futuro de um país depende da qualidade da educação que damos aos pequenos”. Não basta termos conhecimentos sólidos em Matemática, Física ou Química, precisamos também de uma educação humana profunda, é muito importante. Nós, os africanos, ainda temos uma certa reserva de espiritualidade que, se for bem aproveitada, podemos também avançar mais. Em termos de espiritualidade, temos uma certa reserva, porque esta confusão moral que há na Europa, que já não respeita nem a Natureza nem nada corremos o risco de imitá-la. Pensamos que o progresso está na imitação de contra-valores, mas acho que não deve ser assim. Ainda temos esta reserva forte, podemos resistir e vivermos, realmente, de progresso baseado no amor e na grande fraternidade.

 Quer deixar uma mensagem ao povo angolano e aos políticos?

Oxalá que essas reflexões tenham também o seu efeito na população. A igreja tem mesmo esta missão de anunciar a boa nova, a paz, a reconciliação, a fraternidade. E oxalá os homens da Igreja, sobretudo neste período de pré-campanha eleitoral, sejam capazes de transmitir mensagens que levem à unidade, reconciliação e paz e nunca caiamos em divisões, porque divisões já temos muitas. Temos que caminhar mesmo como irmãos. Esse é um sonho e devemos ter aquela capacidade de concretizar este sonho. É possível. E nada daquele derrotismo ou pessimismo de que os africanos não podem! Nós também podemos! não o fazemos porque não queremos. Nós também somos capazes. O homem é homem, não se vê pelo continente, nem pela cor. Somos homens, temos nossos valores e também temos aquelas partes negativas, mas isso tem o americano, o africano, o inglês e tem qualquer pessoa. Mas é importante que acreditemos nos nossos valores, sejamos capazes de primar pelo realismo, mas também pelo optimismo para que possamos avançar. Falamos da situação económica que é preciso mudar de mentalidade, isso é possível. Insisto: não devemos viver no derrotismo. Então, oxalá que a África, nos seus valores, seja, quanto antes, de progresso, paz, reconciliação e não fiquemos sempre agarrados aos feiticismos. Aqui é tudo feitiço e ódio! Isso não. Com o evangelho, Cristo trouxe a libertação e tudo isto, com a graça de Deus, é possível. Muito obrigado por mais essa oportunidade e que as eleições decorram da melhor maneira. Também aqui é preciso lançar o apelo: cada um tem de cumprir com o seu dever cívico. Não vale a pena lamentar-se disto ou daquilo e na hora não querermos votar; também é um erro. Temos que nos habituar à democracia e se não descobrimos outras formas, por enquanto é nas eleições que se exerce melhor a democracia, porque há muita gente frustrada, desanimada, temos que estar confiantes e cumprir com o nosso dever. É importante para que o país avance.

Fonte Jornal de Angola

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