Angola: taxistas protestam durante três dias contra subida do preço do combustível

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Barricadas, pneus queimados, pilhagens e viaturas vandalizadas marcaram hoje o início da greve na capital angolana dos taxistas de transportes privados, que condenaram o vandalismo e criticaram o aumento do preço dos combustíveis.

No dia em que os “azuis e brancos”, como são conhecidos, decidiram não colorir as estradas de Luanda e demais províncias do país, o primeiro dos três dias de “paralisação pacífica”, convocada por associações de taxistas, ficou marcada por atos de vandalismo nos diversos bairros da capital angolana.

Desde as primeiras horas de hoje que vários cidadãos se queixaram de dificuldades para circular e chegar ao local de trabalho, devido à falta de táxis. Muitos tiveram mesmo de caminhar longas distâncias e outros de aguardar por mais de três horas nas paragens, como constatou a Lusa.

Em toda a extensão da Avenida Fidel de Castro, estrada direita de Viana, Quilometro 30, município de Cacuaco, zona do Camama e Calemba 2 era possível ver um número considerável de pessoas nas paragens enquanto outras caminhavam devido à falta de transporte.

Nas paragens de transportes coletivos a procura por autocarros mais do que duplicou. Paixão Mateus, há mais de três horas que esperava pelo táxi para chegar ao local de trabalho. “Eu estou a mais de três horas [aqui na paragem], por falta de táxi, não há autocarros [públicos], os que aparecem já vêm cheios e, neste momento, estou aqui indeciso, porque trabalho no Benfica e estou em risco de faltar ao serviço”, disse o carpinteiro de 37 anos à Lusa, aproveitando para contestar o aumento do preço dos combustíveis.

Vítor Miguel, 25 anos que disse ter despertado às 05:00 para chegar cedo ao serviço, mas a paralisação dos taxistas obrigou-o a caminhar de Viana até ao Zango, lamentando os transtornos na via e a subida da tarifa do táxi.

“Já estou atrasado e será um dia muito complicado. (…) Acho que vou dormir no local de serviço e não tenho como voltar para casa”, lamentou.

Pela zona do Calemba 2, município do Camama, Distrito Urbano do Campos Universitário, toda a extensão da Rua 11 de Novembro, zona comercial e de intensa circulação automóvel, ficou bloqueada com barricadas de contentores de lixo, de àrvores partidas e pneus queimados.

Naquele perímetro, grupos de cidadãos e de moto taxistas impediam a circulação de viaturas, com barricadas e inclusive cenas de agressões a quem por aí circulava com a sua viatura, facto que mobilizou a presença de efetivos da polícia para colocar ordem e amenizar os ânimos, no entanto, sem sucesso.

Foi na mesma rua em que algumas viaturas foram vandalizadas e armazéns e supermercados pilhados pela população. A situação gerou um caos e até protestos de muitos transeuntes e moradores na região. A polícia ainda interveio com disparos para dispersar a população, mas o reduzido número de efetivos não conseguia travar a fúria da população.

Antónia Jorge, que circulava pelo Calemba 2, condenou a vandalização de um supermercado naquela zona, que disse ter testemunhado a partir das 09:00.

“Vandalizaram, bateram nos funcionários, isso não pode, isso é roubo, é vandalização (…). A greve é dos taxistas e o que é que o povo tem a ver? O mercado não tem nada a ver, porque é que têm de roubar na loja? Isso está errado, a polícia pode fazer o que entender, mesmo com disparos não estão a fugir”, atirou.

Sem condições para chegar ao local de serviço, Nsimba Martins, 38 anos, decidiu regressar à casa a pé, mas viu condicionada a mobilidade quando atingiu a Rua 11 de Novembro e se deparou com barricadas na via.

“Todas as ruas fechadas aqui no Calemba 2, consegui sair de casa, mas estou a voltar não vou conseguir chegar ao serviço porque não temos táxi. Essa via está toda fechada, acenderam pneus”, atirou.

Valéria Daniel, desempregada de 22 anos, justificou “a revolta” dos cidadãos naquela circunscrição do município do Camama como uma medida para “exigir” às autoridades para recuarem com as políticas da subida do preço dos combustíveis, que encarece a vida das famílias.

O povo “está muito revoltado, (…) o táxi tem de baixar, porque a gasolina está a sair do nosso país. O povo está mesmo muito mal, tem pessoas que não trabalham, muitas mulheres estão a preferir fazer prostituição porque não têm emprego”, lamentou.

Algumas lojas de postos de abastecimento de combustível também foram vandalizadas, sendo que de vários pontos de Luanda surgem relatos de manifestações espontâneas, inclusive de moto taxistas, que em grupo chegaram até às imediações da sede do Governo de Luanda, mas foram travados pela polícia, na sequência de disparos.

Em declarações à imprensa, o porta-voz da Polícia Nacional, subcomissário Mateus Rodrigues, disse que foram registados, desde as primeiras horas de hoje, atos de vandalismo, que provocaram alteração da ordem e tranquilidade pública em alguns pontos da província.

Na apresentação pública “de repúdio” destas práticas, Mateus Rodrigues disse que foram realizados atos de invasões a estabelecimentos comerciais e outros, que a Polícia desencoraja “vivamente”.

“Queremos desde já apelar aos cidadãos que estão envolvidos neste tipo de práticas para que parem com este comportamento”, disse, sublinhando que a Polícia está a recorrer a todos os seus meios e homens para repor a legalidade. “Todos os homens e meios de que a Polícia dispõe estão nas ruas para garantir que voltemos à tranquilidade.

Neste momento, já foram realizadas várias detenções, estes indivíduos detidos serão conduzidos aos órgãos de justiça, para que possam ser responsabilizados”, referiu.

“Mais uma vez queremos reiterar o nosso repúdio a esses atos, a nossa reprovação pública a esses atos, alertar aos cidadãos que estão envolvidos nestas práticas para que parem e assegurar os cidadãos de bem que tudo está a ser feito para que a situação volte ao normal nas próximas horas”, acrescentou.

Questionado sobre imagens que circulam nas redes sociais de pessoas supostamente feridas nestes atos, Mateus Rodrigues repetiu que as forças estão no terreno, a garantir que a situação volte à normalidade.

“Este caso em concreto de um cidadão que estava estatelado no chão sem poder ser socorrido já está solucionado, já foi possível socorrer o cidadão, agora não conseguimos passar a informação sobre qual é o estado de saúde do cidadão, mas dizer que cada vez mais a situação está a voltar à normalidade em função da ação das nossas forças que estão nas ruas”, salientou, avançado não ser possível, por agora, indicar o número de detidos, “porque as ações ainda decorrem”.

Mateus Rodrigues enfatizou a necessidade de se separar o que está a ocorrer hoje, que, disse, nada tem a ver com um ato pacífico. “Uma coisa é uma paralisação, que é um ato altamente pacífico, e outra coisa são os atos que nós estamos a verificar.

Estamos a verificar verdadeiros atos de vandalismo com roubos, destruição de bens públicos, então, isso não podemos dizer que isso é paralisação”, destacou, rejeitando que haja uma situação fora do controlo da Polícia. Até quarta-feira, último dia da paralisação, a Polícia vai elevar as medidas “sempre que o nível de ameaça assim o ditar”, frisou.

À Lusa, o taxista Joaquim Catimba, que no município de Viana, juntamente com os colegas decidiram cruzar os braços em apoio à greve, recordou que a paralisação, que deve decorrer até quarta-feira, é um protesto contra o aumento do preço dos combustíveis e nova tarifa do táxi, bem como pela exigência de mais respeito pela classe.

Catimba pediu ao Governo angolano a revisão do preço do combustível e criticou ainda alguns colegas que decidiram “furar” a greve.

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