A oportunidade perdida com a “proibida” mineração de criptomoedas

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Muzangueno Alione. (DR)

Fiquei atento ao debate dos deputados sobre a aprovação da lei que proíbe a mineração de criptomoedas. Achei muito interessante a curta intervenção da deputada Bela Malaquias, que rebateu um dos argumentos da referida lei: o consumo excessivo de energia elétrica. Entre os demais argumentos (não rebatidos), destacam-se (i) a ameaça à soberania monetária e (ii) a estabilidade fiscal.

Por: Muzangueno Alione

Seria interessante ouvir os deputados argumentarem sobre os dois últimos aspectos, mas como sempre, foi mais fácil se abster, como justificou a deputada Navita Ngolo, “o assunto é muito complexo e requer compreensão clara”. Talvez, por terem um salário tão ínfimo de cerca de 1200 euros, “1 milhão e duzentos mil kwanzas” (equivalente ao de um entregador de pizza na Europa), não tenham consultoria suficiente para entenderem do assunto.

Na sua declaração de voto, a deputada Florbela Malaquias, argumentou que os videogames e o chatGPT têm consumo de energia equivalente à mineração de criptomoedas. Mesmo não tendo concluído a sua locução, senti que está alinhada à ideia de que o país perdeu uma grande oportunidade, especialmente num contexto de desvalorização do kwanza, cuja solução não se vislumbra a curto prazo, conforme bem fundamentado no último artigo do Maka Angola, assinado por Rui Verde, que demonstra o quadro dramático da falta de soluções do Executivo para combater a inflação e o desemprego, coincidentemente, dois factores que poderiam contar com o impacto positivo das criptomoedas e das tecnologias conexas a elas.

Se estamos recordados, quando o kwanza retomou a queda livre no início de 2023, o actual Ministro de Estado para a Coordenação Económica valorizou o aparente equilíbrio entre o preço do dólar na rua face ao preço praticado pelo BNA. Em alguns casos, o dólar estava “mais barato” na rua, o que demonstrava que mercado informal tinha encontrado a sua real necessidade de moeda estrangeira. Por outro lado, em tempos mais recentes (semanas atrás) ouvimos o BNA a questionar os motivos de os bancos comerciais alegarem escassez de divisas quando tinham sido disponibilizados 300 milhões de dólares.

Os factos descritos nos levam a inevitável conclusão que chegou Rui Verde no artigo que citamos, às vezes nem o próprio BNA sabe onde vão parar os dólares que disponibiliza ao mercado, que em muitos casos não é aplicado na importação de bens e serviços com impacto directo na produção nacional, mas em “invisíveis correntes”, como consultores fantasmas e redes clientelistas de fuga de divisas para alimentarem vidas insustentáveis em Portugal e no Dubai, como bem denuncia o Maka Angola.

Nesse contexto, o blockchain, de tão seguro que é, abriria a oportunidade para que ao invés do BNA sustentar toda a demanda por consumo de produtos estrangeiros, que partem desde a assinatura de serviços com Spotify, Netiflix e videogames às roupas da SHEIN, Champanhe e calças jeans, abriria a oportunidade para que cada um satisfizesse os seus pequenos vícios online com alternativas em activos virtuais (vejamos o mercado de apostas desportivas, o Forex, e até algumas bolsas de valores que aceitam bitcoin). A resposta do BNA a demanda de moedas estrangeiras seria para atender o sector produtivo.

Os argumentos apresentados para a proibição, são problemas actuais do nosso sistema financeiro que, conforme demonstrado em outro artigo do Maka Angola assinado por Rafael Marques, debate-se com gravíssimos problemas de cyber segurança, daí as exigências do Fundo Monetário Internacional para reestruturação do sector bancário do país no que diz respeito a governança, transparência, combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, ou seja, são problemas actuais, agravados pelas redes clientelistas entre o BNA, bancos comerciais e importadores, que colocam o nosso sistema financeiro em cheque, e não a hipotética mineração de criptomoedas.

Talvez seria mais realista admitir essa vulnerabilidade e dizer que, se não conseguimos controlar o papel-moeda que já existe há séculos, como vamos nos aventurar no mundo digital?

No final, somos sempre vítimas de nós. E a Assembleia Nacional, que conforme ouvimos no lançamento da agenda política, não consegue aprovar a lei de institucionalização das autarquias, se vê agora incapacitada (mais uma vez), de criar um quadro legal e regulatório para as criptomoedas e o blockchain, que estimulasse a inovação na juventude. Há países africanos que já estão nisso – um grande exemplo de sucesso é o Botswana.

Se temos tempo de proibir tecnologias inevitáveis, devíamos tirar um tempo para aprender mais sobre o novo mundo em constante mutação, fortemente impactado pela Big data e a Inteligência Artificial. Senão, nos veremos a legislar sobre coisas muito distantes da realidade actual e manter o país estagnado na máquina datilógrafa.

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