A Homenagem Desastrosa Que os Juizes da Relação Renderam ao Direito – o Debate Suspenso da OAA-LAZARINO POULSON

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“Visto que nos custa confiar, porque fomos feridos por tantas falsidades, agressões e desilusões…” Papa Francisco – Encíclica “Dilexit Nos” Capítulo II, 37.

O que ocorreu com a suspensão judicial do debate que seria  promovido  pela Ordem dos Advogados de Angola (OAA), sobre a  legislação  eleitoral não é um episódio isolado. Nem é se quer um pontual erro judicial grosseiro. É muito mais do que isso!

É uma afronta desajeitada que a soberba míope das elites rácio-legais prestam à lucidez dos intelectuais.

A procissão pública  do debate  eleitoral ainda vai no adro mas os  entusiastas das alterações das regras do jogo no afã de agradarem  um qualquer chefe atropelam o Direito a céu aberto, aliás, à vista desarmada.

Quem com esforço  suportou às exigências  de  uma  Faculdade de Direito e não faz parte do restrito círculo jurídico  capturado  pelo poder político, sente -se, seguramente, lesado, insultado e desrespeitado, mais do que qualquer cidadão com outra expertise ou conhecimento.

A agressão ao Direito  neste caso foi violenta, atroz e, por isso, de extrema gravidade.

Os Juizes do Tribunal da Relação não colocaram apenas o Direito de lado. Foram mais longe. Afrontaram a “iustitia” e dinamitaram os alicerces já débeis de um Estado Democrático de Direito em construção.

O saldo é claramente negativo! A dor que infringiram aos amantes do Direito é imensurável de tal sorte que “ressuscitaram” velhos cultores do Direito acantonados ou auto-exilados!

O que está em causa na suspensão do debate púbico que a OAA  pretendia promover consubstancia -se  na flagrante violação de vários direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

O tribunal não pode suspender ou proibir temporariamente um debate promovido pela OAA sobre a elaboração de uma qualquer legislação. Não há nenhum dispositivo legal, nem nenhum caso de jurisprudência ou até alguma tese doutrinária que endossam tal bizarrice.

E mais:  a actividade de auscultação e debate  público sobre o pacote legislativo eleitoral que a OAAA pretendia realizar enquadra-se, grosso modo,  no âmbito das suas atribuições nos termos das alíneas a),  h) e g) do artigo 3 do Decreto n. 28/96, de 13 de Setembro, Estatuto da OAA.

Por outro lado, estando em causa nesta actividade o exercício de direitos fundamentais , como o direito de reunião, a liberdade de expressão e de informação , só seria admissível a suspensão dos mesmos se estivessem em conflito com  a violação de direitos equivalentes dos promotores  da providência cautelar ou de terceiros.

E da análise que se faz do Acórdão da Relação não se extrai nada disso.

O Acórdão em causa, com argumentos redondos, está repleto  de “lugares comuns doutrinários”  e de erros grosseiros, como a indicação que o Estatuto da OAA foi aprovado por uma Lei, quando na realidade foi consagrado  num Decreto.

Vale apena destacar  que a OAA é uma instituição com estatuto constitucional que, dentre outra funções, pugna pela defesa do Estado Democrático de Direito, pela defesa  os direitos dos seus membros e pela defesa geral dos direitos dos cidadãos, bem como colabora na Administração da Justiça.

E de forma displicente, o Acórdão da Relação pois em causa a autonomia desta prestigiada instituição.

Nas ciências sociais, a unanimidade é uma miragem, onde os argumentos que prevalecem devem ser sólidos, baseados em premissas verificais —  são estes os fundamentos das teses dominantes.

No caso do Direito, a “Lei”  é a trave mestra e o ancoradouro dos navios doutrinários ou das teses que prevalecem nas querelas académicas.

Os Juizes da Relação andaram mal na medidas em que ignoram a Constituição e, as apalpadelas,  ziguezaguearam pela legislação aplicável para expelirem uma deliberação obtusa de difícil compreensão jurídica.

“Quando os verdadeiros inimigos são muitos fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos”, como nos advertia Umberto Eco.

Mas estamos perante uma realidade diferente da conhecida pelo grande pensador italiano.  Por cá, o “inimigo forte absorveu os inimigos fracos e se apresenta num corpo uniforme. Difícil é a batalha pela justiça intra-muros.

Por outro lado, Bauman ensinou-nos que as sociedades actuais são líquidas, baseadas numa pasticidade e fluidez que não fazem durar os seus “casos”.  A decisão do Tribunal da Relação pode até passar de forma fugaz na bolha mediática e desaparecer na espuma dos dias. Mas já se converteu um marco.

Um divisor de águas: o antes e o depois do dia em que o poder judicial feriu de “morte” o Direito!

Mas essa  “morte” é apenas formal, pois ainda temos forças vivas para não o deixar perecer de vez e  não permitir que os violadores do Direito passem impunes.

Tal como Salomão percebeu a tempo que Adonias queria roubar-lhe o trono e, com ajuda da sua mãe Batseba, o recuperou junto do Rei Davi, está lançado o repto a todos juristas que se sentem   humilhados por esta tragicomédia judicial — que cada um erga a sua voz para reposição da legalidade.

Até porque aprendemos com  Kelsen  que “ o jurista científico não se identifica com qualquer valor”.

Daí que vale para recordar a máxima de outrora: “tudo isso só é possível,

se cada um Pensar Direito”!

 

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