Cemitério: local onde repousam os restos mortais e talvez almas de pessoas que nos são queridas, este vale dos caídos para sempre, não é um lugar sinistro, macabro, lúgubre, como nos foi ensinado desde os tempos de antanho.
Só quem aprende, só quem é ensinado, é capaz de desenvolver e atrair para si as várias facetas do preconceito, dogmas, juízos de valor, medos e inflexões quiméricas. Por isso desde tenra idade vivemos de enganos permanentes, somos ensinados categoricamente a fingir que não vemos como as coisas são no plano real. Não vemos, logo não reparamos, por conta duma educação visual (a)crítica, cujas dúvidas e omissões aumentam o buraco de reticências, por não vislumbrarmos além do que o nosso campo de visão permite.
Não há cirurgião por melhor que for, capaz de nos extrair com bisturi os “traumas” da infância. A imagem que temos da morte é de um monstro com chifres por todo lado, espalhando terror pelos poros. É a imagem de um lobo mau que saiu das telas ou dos quadradinhos para a vida real, pronto a nos devorar logo no primeiro uivo.
Para quando uma comissão da verdade para resolvermos os nossos problemas com a morte? Será que ela não merece ser ouvida? Não tem idade jurídica ou no mínimo um representante legal?
Não goza de presunção de inocência para sua imagem ser beliscada em hasta pública? Parece que nas terras do imperador vida tudo é lícito, menos os queixumes e lamúrias da senhora morte.
Quando é que a promíscua vida e as suas ilusões vão perceber que a morte precisa descansar em paz?
A morte tem mais a revelar sobre o bicho homem que a vida. Quando uma voz se cala, surgem questões, mas elas morrem, vítimas de acesso do mau tempo.
O acto de inquirir é a réstia de esperança, que dá sentido, dignidade à entediada existência. Penso que a vida é de uma cupidez de bradar aos céus, quer tudo para si, e quando as coisas dão por torto, saem da linha, lá vem ela com seu cinismo característico manipular a morte.
Para que servem as lágrimas quando as dores traspassam o físico? As lágrimas mesmo aliviam ou é o contrário?
O que alivia são as lágrimas ou é a nossa capacidade de gestão diante de situações adversas, de resiliência, de aceitar as nossas perdas, de suportar as dores inoculadas em nós?
Desculpem-me por dizer isso, talvez alguém venha a me acusar de desapiedado, de falta de comiseração, de ultraje às memórias dos que partiram dessa para melhor (?), o campo dito santo é um lugar de teatralização, romantização, suavização ou banalização da morte, as notas fúnebres não são o que parecem, as orações, cânticos e améns da praxe são como são, no momento de dor e pesar, há uma porta preparada para os deuses oportunistas atravessarem.
Queres saber sobre fragilidade humana, o que é hostilidade, o que é estar num lugar sombrio, sinistro, fúnebre e macabro, ou quão um país lida com os seus mortos? Vá até ao necrotério, às casas ditas mortuárias… os trabalhadores das morgues, muitos deles com vida de cão, encontram refrigério no fumo, no copo e no sexo desenfreado, não precisam morrer para saber o que é a morte ou como é o seu cheiro característico. A morte para alguma coisa serve, a vida é que parece não valer nada.
Pedro Kamorroto
Fonte:JA