A ousadia dos pequenos banhistas, curiosamente todos rapazes, não esconde a satisfação de alcançarem o “cascorrega”, onde buscam o prazer e a necessidade de molhar os seus corpos nesta época de calor, desrespeitando as orientações de distanciamento social, em face à pandemia da Covid-19. Sem noção dos riscos de contraírem alguma doença de origem hídrica, já que as águas da vala acumulam todos os resíduos sólidos e líquidos expelidos do casco urbano, incluindo os do Hospital Municipal de Benguela, localizado no bairro 70, zona A.
O Jornal de Angola verificou que na rampa, que as crianças denominaram “cascorrega”, os “banhistas” estão potencialmente expostos a objectos cortantes e ao contágio de doenças respiratórias, de pele e conjuntivite, além do perigo da Covid-19. Saem de todos os lados, nomeadamente dos bairros Seta-Nova, 4 de Abril, Dokota, Calombutão, Cambanda, 17 de Setembro e Calomanga, entre outros. Ficamos a saber que na rampa do Coringe 2, devido ao escorregadio provocado pela correnteza das águas sujas, muitas crianças após sofrerem quedas contraem debilidades físicas que as acompanharão para o resto da vida.
Sem consentimento dos pais e encarregados de educação, Paulino, de apenas sete anos, diz-nos porquê que todos os dias sai de casa. “Eu gosto de vir ao cascorrega porque sinto-me bem, banho com os meus amigos, empurrámo-nos de cima a baixo com muita velocidade”, explicou o pequenino.
Dominique, de apenas 9 anos, é da mesma opinião: “Tio, é bem verdade. É a única forma que temos para nos divertirmos”, revelou.
Joaquim, ou simplesmente “Quinzinho”, está na faixa dos 12 anos mas já se mostra teimoso que nem um nonagenário. Ele defende que nada o impede de avançar, quando o assunto é ir ao cascorrega. “Tornou-se já um hábito para nós banhistas do Coringe. Tio, aqui cuia bué”, disse com bastante entusiasmo o mais crescidinho do grupo de petizes.
Costa, de 25 anos, que trabalha na recauchutagem instalada na berma do “cascorrega” do Coringe 2, revelou que sempre os expulsa, mas em vão. Com o dedo em riste, apontou-os: “Estes são todos teimosos. Vezes há que aparecem por aqui cães ou gatos mortos e lixo hospitalar, mesmo assim não param de frequentar o local. Sempre que posso pego numa vara fresca e ponho-os a correr, mesmo assim, volta e meia já estão no empurra-empurra aqui no cascorrega”, explicou o mestre de recauchugem.
Saúde pública
O chefe do departamento de saúde pública em Benguela, Américo Máquina Daniel entende que a inocência das crianças, faz com que se arrisquem, mas não tem dúvidas de que correm perigo de contraírem doenças como febre tifoide e outras associadas ao foro respiratório.
Américo Daniel, doutorado em saúde pública aconselha, a Administração Municipal de Benguela e a Direcção de Saúde pública na província a visitarem o mais cedo possível a rampa da vala do Coringe 2. “Como responsável do departamento de saúde pública prometo que, dentro do nosso roteiro de trabalho de campo chegaremos ao local para melhor entendermos o assunto que nos apresenta”, disse o responsável médico.
Serviços comunitários
Manuel Catumbela, na qualidade de director dos Serviços de Saneamento e Ambiente da Administração Municipal de Benguela, considerou o assunto pertinente, por se tratar de um problema de saúde pública “que tem a ver com vida ou morte de pessoas”. O responsável, apesar de exercer o actual cargo há pouco tempo, disse que tem na memória um caso que terminou em tragédia. “Naquele local uma criança chegou a perder a vida há uns anos para cá. A partir desse triste episódio, tenho a dizer que tudo faremos para que casos do género não voltem a repetir-se”, prometeu.
Quanto às águas residuais que diariamente passam na vala do Coringe 2, Manuel Catumbela frisou que não vêm nem do Hospital Municipal, nem do Centro Médico da Cambanda, por se tratarem, segundo disse, de unidades sanitárias que, no seu interior, têm fossas sépticas (unidades de tratamento primário de esgoto doméstico nas quais é feita a separação e a transformação físico-químico da matéria sólida contida no esgoto).
Fonte:JA