
Alexei Navalny, líder da oposição russa, descobriu todos os detalhes sobre o próprio envenenamento ao fazer-se passar por um oficial sénior russo. A gravação da chamada telefónica onde o agente do FSB Konstantin Kudryavtsev revelou os pormenores foi divulgada no seu canal de Youtube. A substância química, Novichok, foi colocada nas costuras da roupa interior do opositor.
Navalny fez-se passar por um membro do Conselho de Segurança russo, utilizando o nome fictício de Maxim Ustinov, um “assessor do [Presidente do Conselho de Segurança da Rússia] Nikolai Patrushev” e solicitou aos oficiais um relatório oral que explicasse a razão pelo fracasso da operação. Após vários chamadas, apenas a última para o agente Kudryavtsev foi bem-sucedida. Konstantin Kudryavtsev formou-se na Academia Russa de Defesa Química e trabalha para o ministério da Defesa. Ao questioná-lo, o político descobriu que o veneno utilizado foi Novichok, a famosa arma química russa.
Na conversa, que durou 49 minutos, no dia 14 de dezembro, Alexei utilizou uma aplicação que modifica a identificação da chamada, simulando que a ligação telefónica partia do Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência que sucedeu ao KGB. Ao pensar que estava a conversar com um oficial de segurança e persuadido pelo facto de os superiores exigirem um relatório completo, o agente Konstantin Kudryavtsev confessou que o Novichok foi colocado nas costuras da roupa interior perto das virilhas, quando Navalny estava a visitar a cidade de Tomsk. Uma equipa do ministério da Defesa desativou as câmaras de vigilância do hotel em que estava hospedado e infiltrou-se no quarto do opositor para aplicar o veneno nas suas cuecas.
Segundo lhe foi revelado, a substância atuou dois dias depois de colocada, já a bordo de um avião a caminho de Moscovo, quando se juntou ao suor do próprio corpo. O agente, que já pertenceu à equipa de especialização em substâncias tóxicas dos serviços secretos, realçou ao telefone que Alexei Navalny apenas sobreviveu pela atuação rápida do piloto de avião e da equipa médica que o assistiu de imediato, na Sibéria. Confirmou ainda que viajou até ao local para se certificar que as roupas do opositor eram eliminadas, assim como as pistas que identificassem o uso de Novichok.
A investigação do site independente russo Bellingcat descobriu que o agente viajou duas vezes após o acontecimento, em 25 de agosto e a 2 de outubro de 2020. Os registos telefónicos revelam ainda que nesse período de tempo manteve contacto regular com o Stanislav Makshakov, coronel e comandante direto do esquadrão do FSB. A ordem de colocar a substância na roupa interior foi dele, assegurou Kudryavtsev, durante a chamada. Alexey Alexandrov e Ivan Osipov, um outro agente, foram acusados de serem os executantes do envenenamento, uma vez que estavam ambos em Tomsk aquando do atentado.
Após o envenenamento, que quase resultou na morte de Navalny a bordo de um avião a 20 de agosto, a vítima foi transferida para Berlim, onde está a recuperar e a viver. O modo como Navelny obteve a informação levantou algumas questões éticas, porém “esta ação enquadra-se claramente no domínio do interesse público superior, à luz das circunstâncias extraordinárias”, afirma Bellingcat, o site de jornalismo de investigação. Realça ainda que Alexei não trabalha para a polícia, serviço de segurança ou conduz uma investigação jornalística. “Estava na posição única de investigar a sua própria tentativa de assassinato, numa altura em que nenhuma agência da lei está disposta a fazê-lo”, diz.
A Rússia permanece em silêncio perante as recentes revelações. Apenas há uma semana, Putin afirmou que achava correto que a equipa de segurança quisesse estar a par de todos movimentos de Alexei Navalny, alegando que Navalny estava a cooperar com os serviços de inteligência dos Estados Unidos. Negou o envolvimento do FSB no caso de envenenamento, relembra a Bellingcat.
Os serviços de segurança da Rússia classificaram a gravação como “uma falsificação” e “uma provocação”, por não apresentar provas da identidade do interlocutor. “A chamada investigação sobre ações alegadamente tomadas contra ele [que foi] publicada online por Navalny é uma provocação planeada destinada a desacreditar o FSB e os funcionários do serviço de segurança federal, que não teria sido possível sem o apoio organizacional e técnico dos serviços especiais estrangeiros”, afirmou a entidade num comunicado, citado pela CNN.
O Kremlin acusou o opositor russo de sofrer de “delírios de perseguição” por acusar os serviços de segurança de Moscovo de envenenamento. “Permito-me a expressar uma opinião pessoal: [Navalny] sofre manifestamente de uma doença, de um delírio de perseguição e (…) apresenta sintomas de megalomania”, diz Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin. Afirma ainda que o FSB desempenha funções de proteção contra o terrorismo e que a informação “não pode descredibilizar” os serviços.
Sanções aplicadas aos países europeus pela Rússia
A Rússia anunciou esta terça-feira que vai aplicar sanções aos países europeus face às medidas adotadas no caso de envenenamento de Alexei Navalny. A diplomacia de Moscovo afirma que “vai alargar a lista de representantes dos países membros da União Europeia impedidos de entrar no território da Federação Russa”.
O ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha considera as sanções “injustificadas”. O envenenamento “não é uma questão bilateral, mas uma questão de dimensão internacional porque é um atentado ao direito internacional, realizado com recurso a uma substância química neurotóxica”, elucida. Exige também que a Rússia esclareça o uso de uma substância de tipo militar num cidadão russo no próprio território.
Fonte: PA