O corrente ano de 2025 é marcante para o Estado angolano, pois assinala o Jubileu da Independência Nacional. Estes 50 Anos de Independência representam, igualmente, meio século de parlamentarismo em Angola, incluindo as diversas fases de existência do Poder Legislativo, nomeadamente o Conselho da Revolução (1975 – 1980), a Assembleia do Povo (1980 – 1992) e a Assembleia Nacional (1992 até ao presente momento).
Por: Pedro Agostinho de Neri | Secretário-geral da Assembleia Nacional
Ao longo deste período tem existido, ao nível da sociedade, debates proactivos e partilha de informações sobre os mais diversos aspectos da actividade dos parlamentos de forma geral e do Parlamento Angolano de modo particular.
É importante relembrar que a actividade dos parlamentos é apoiada por um corpo de funcionários – a chamada Administração Parlamentar – encarregue na prestação de apoio técnico e administrativo ao Poder Legislativo. Esta função pública especial, enquanto guardiã do património material e imaterial dos Parlamentos, tem, também, a missão de preservar as boas práticas e os rituais parlamentares, assegurando que estes sejam transmitidos de geração em geração.
Todavia, é neste contexto que ganha corpo e importância o Precedente Parlamentar, enquanto conjunto de práticas, rituais e deliberações geralmente aceites e que informam a condução dos trabalhos e sessões das Assembleias Legislativas. No caso da Assembleia Nacional de Angola, a figura do Precedente Parlamentar conhece a sua maior afirmação e consolidação por via do chamado Costume Parlamentar. Este último tem, assim, uma força jurídica invisível que preside o dia-a-dia da Casa das Leis, incluindo os aspectos de natureza organizacional e protocolar, tais como as Reuniões Plenárias, as actividades da Mesa da Assembleia Nacional, a Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares e as reuniões das Comissões de Trabalho Especializadas.
Por isso, julgamos ser relevante afirmar que o costume parlamentar se refere, em concreto, às práticas, convenções e tradições que se estabelecem ao longo do tempo e dentro do funcionamento das instituições legislativas. Ele desempenha, deste modo, um papel importante na organização e na dinâmica do trabalho parlamentar, embora não seja formalmente reduzido a escrito nas normas de direito positivo.
O costume parlamentar ajuda, ainda, a garantir a continuidade e a estabilidade do processo legislativo, proporcionando um quadro de referência para a actuação dos parlamentares, mesmo na ausência de regras formais.
Por outro lado, temos de ter noção de que os costumes parlamentares podem variar de um país para outro e, em alguns casos, podem ser modificados com o tempo à medida em que novas práticas forem surgindo e sejam, efectivamente, acolhidas. É nesta perspectiva que, no caso da Assembleia Nacional de Angola, o costume parlamentar tem o devido reconhecimento legal.
Assim, o artigo 2.º da Lei n.º 13/17, de 6 de Julho, que aprova o Regimento da Assembleia Nacional, estabelece que o costume parlamentar tem validade e força jurídica, desde que satisfaça quatro requisitos. Primeiro, o costume parlamentar valerá na ausência de norma regimental aplicável. Segundo, ele não deve contrariar a Constituição da República de Angola. Terceiro, ele não deve atentar contra a dignidade da pessoa humana. Finalmente, o costume parlamentar não deve ofender os princípios orientadores da actividade parlamentar.
Na verdade, os pressupostos enumerados acabam por operar como limites à validade do costume parlamentar e à sua aplicação. Portanto, tal como referimos acima, os costumes, enquanto práticas reiteradas e aceites entre os parlamentares, encontram, em regra, soluções para as questões não expressamente tratadas pelo Regimento e pelas demais leis em vigor. Acreditamos que, tal como acontece noutros parlamentos, os costumes parlamentares podem resultar de factos sociais concretos.
Contudo, passaremos a enumerar, de seguida, alguns exemplos de aplicação do costume parlamentar. Tal exemplificação justifica-se pela necessidade de explicar que a existência do costume parlamentar não é uma mera retórica.
O primeiro caso diz respeito à constituição da Mesa aquando da Reunião Constitutiva da Assembleia Nacional. Com efeito, a configuração daquela Mesa pode resultar de uma negociação política entre os Partidos ou Coligações Políticas com assento Parlamentar, tal como aconteceu no início da presente Legislatura, em Setembro de 2022.
O segundo caso está associado ao procedimento de votação que, na Assembleia Nacional, pode ser feito de modo virtual, isto é, por videoconferência. Trata-se de uma forma específica de participação do deputado nas actividades parlamentares que, embora não esteja consagrada regimentalmente, vem sendo aplicada e consolidada desde a pandemia da COVID-19, surgida no ano de 2019.
O terceiro caso diz respeito à Ordem de trabalhos das Reuniões Plenárias que, nos termos regimentais, é apreciada na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares. Dar nota que, nessa Conferência, participam, igualmente, as representações políticas parlamentares, mesmo que elas não constituam um grupo parlamentar por não terem um mínimo de três deputados em efectividade de funções. Tem sido praxe conceder, em favor das mesmas, a faculdade de votar, apesar da ausência de tal consagração no Regimento da Assembleia Nacional.
Gostaríamos, igualmente, de sublinhar o facto de como as nossas tradições culturais podem ser consolidadas e elevadas à categoria de costume parlamentar. Estamos a referir-nos, concretamente, à simbologia e à sinalética do gongo, no momento da entrada do (a) Presidente da Assembleia Nacional à Sala do Plenário, acompanhado (a) de convidados especiais, com destaque para Chefes de Estado.
Gongo é um instrumento sonoro utilizado, na tradição africana e noutras partes do mundo, para anunciar eventos solenes. Por esta razão, a Assembleia Nacional de Angola, resgatando a sua matriz cultural africana, adoptou o referido instrumento de som. A sua batida sinaliza, tal como acima sublinhamos, a antecâmara das Reuniões Plenárias Solenes, sendo que estas últimas podem ocorrer por imperativos constitucionais, por ocasião da abertura do ano legislativo, altura em que o Presidente da República de Angola profere o Discurso sobre o Estado da Nação, nos termos do Art. 118.º da Constituição. O gongo é, ainda, usado em visitas oficiais de Chefes de Estado estrangeiros.
Obviamente que poderíamos continuar a enumerar outros exemplos, mas, por razões de economia, vamos terminar fazendo menção ao modo de distribuição de documentos existente na Assembleia Nacional. Com efeito, os deputados recebem os documentos por via electrónica na sequência de um processo de desmaterialização e de modernização tecnológica do Parlamento. Essa prática vem sendo implementada desde 2016. A supracitada desmaterialização contribuiu, sobremaneira, para a celeridade dos procedimentos e para uma economia de escala, embora não esteja expressamente consagrada no Regimento.
Portanto, resta a Administração Parlamentar continuar a registar e a documentar o acervo de precedentes parlamentares, atualizando-o sempre que necessário. Os precedentes parlamentares são, por isso, uma valiosa fonte de conhecimento dos procedimentos parlamentares e eles destacam a importância da preservação da memória institucional das Assembleias Legislativas.

* Secretário-geral da Assembleia Nacional
JA