Portugal encaminha-se para novas eleições, as quartas legislativas em cinco anos e meio. Esta quinta-feira, o Presidente reúne o Conselho de Estado, a segunda etapa necessária para dissolver o Parlamento e convocar eleições provavelmente para 11 ou 18 de Maio. Porém, “é provável que não existam grandes alterações” com a ida às urnas, considera o politólogo António Costa Pinto, o convidado deste programa.
A mais recente crise política portuguesa começou com um escândalo envolvendo uma empresa da família do primeiro-ministro, Luís Montenegro, o que provocou acusações de conflito de interesses. Depois de duas moções de censura rejeitadas em menos de duas semanas, o Parlamento chumbou, na terça-feira, uma moção de confiança apresentada pelo governo minoritário PSD/CDS-PP, um dia e um ano após a vitória da coligação AD nas legislativas antecipadas de 10 de Março.
Na quarta-feira, o Presidente da República ouviu os partidos e esta quinta-feira reúne o Conselho de Estado, o segundo passo necessário para dissolver o Parlamento e convocar as eleições provavelmente para 11 ou 18 de Maio, duas datas já admitidas publicamente por Marcelo Rebelo de Sousa.
O politólogo António Costa Pinto antevê como “provável que não existam grandes alterações” com a ida às urnas porque “é pouco provável que o número de partidos e o sistema partidário se altere significativamente”. Para o investigador, a questão fundamental, é saber se o Parlamento contará com uma maioria mais à esquerda ou mais à direita.
António Costa Pinto aponta as eleições antecipadas como uma estratégia do primeiro-ministro Luís Montenegro para “relegitimar-se”, evitando uma Comissão de Inquérito Parlamentar que teria sido “altamente danosa para a sua imagem política”. Resta saber a direcção que toma a agenda política da campanha eleitoral e quem é que os eleitores “vão culpabilizar” por eleições antecipadas indesejadas.
RFI: Numa altura em que se vive uma enorme instabilidade na Europa e no mundo, o que se passa em Portugal?
António Costa Pinto, Politólogo: “Portugal é há um ano governado por um governo minoritário de centro-direita. É um governo que dependia do principal partido da oposição, que era o Partido Socialista, de centro-esquerda. Esse Partido Socialista não queria eleições, mas o caso do primeiro-ministro, associado a uma promiscuidade entre uma empresa dele próprio e a sua condição de primeiro-ministro, provocou a queda do Governo.”
Que empresa era esta? O que provocou esta crise política?
“Foi a comunicação social que desencadeou, através de uma série de investigações, este caso, porque o primeiro-ministro não abandonou esta empresa ou a vendeu quando iniciou funções, passou-a para a sua mulher, o que na prática quer dizer que continua dele. Entretanto, recebia uma série de avenças de casinos e de outras pequenas empresas que se veio a verificar que pertenciam à estrutura mais ou menos clientelar do PSD a nível local, ou seja, no Norte do país.”
O que vimos no Parlamento, na terça-feira, foi uma troca de culpas entre o primeiro-ministro e o líder da oposição. Na verdade, quem é que tem a ganhar com isto, se é que alguém tem a ganhar com novas eleições em Portugal?
“Os partidos políticos da oposição não queriam eleições. A prova disso é que o principal partido da oposição, que é o Partido Socialista, viabilizou um Orçamento e eliminou duas moções de censura. Em grande parte, estas eleições antecipadas são provocadas por um ponto específico: o primeiro-ministro não queria uma Comissão de Inquérito Parlamentar que seria altamente danoso para a sua imagem política, avançou com uma moção de confiança que a oposição obviamente não podia aprovar e assim Portugal vai ter eleições antecipadas.
Quem ganha e quem perde vai depender da agenda das eleições. Se o primeiro-ministro Luís Montenegro e o Partido Social Democrata tentarem convencer os portugueses que foram derrubados porque a sua governação era de sucesso e eles mereciam governar mais, evidentemente que, neste caso, o Partido Social Democrata sairá até eventualmente reforçado.
Se partidos de direita radical como o Chega, mais o Partido Socialista e outros partidos à esquerda e à direita conseguirem convencer o eleitorado que estas eleições são por causa da promiscuidade do primeiro-ministro entre interesses privados e a sua função de primeiro-ministro, eventualmente, eles sairão reforçados.
Mas há um terceiro elemento, e por isso é que esta campanha eleitoral vai ser relativamente complexa, é que ela pode ser contaminada por agentes externos.”
Como assim?
“A Procuradoria-Geral da República acabou de dizer que ia fazer um pequeno inquérito; a Ordem dos Advogados, daqui a 15 dias ou daqui a três semanas, pode dizer que o primeiro-ministro que era advogado, que a sua empresa cometeu ilegalidades… O que eu quero dizer com isto é que, basicamente, os portugueses não queriam estas eleições, estão eventualmente irritados por terem que ir a votos nestas eleições antecipadas e quem é que vão culpabilizar? É justamente essa a dúvida que permanece ainda em Portugal.”
A seu ver, de quem é a culpa?
“Eu posso ter alguma opinião, mas isso tem pouca importância. Obviamente que a culpa é das actividades privadas do primeiro-ministro, mas isso tem pouca importância porque as campanhas eleitorais e os eleitores têm opiniões muito diversificadas e esse pode não ser o tema determinante na campanha.”
O facto de haver eleições não vai limpar toda a suspeição à volta do caso, à volta da empresa familiar do primeiro-ministro que esteve na origem da crise política. Luís Montenegro tem condições para se recandidatar?
“Sem dúvida. Essa é, aliás, a sua estratégia política. É recandidatar-se, relegitimar-se e ele já afirmou numa conferência de imprensa que mesmo que seja arguido, ele não se demite. Muitos políticos o fazem, o primeiro-ministro português não será nem o primeiro nem o último. O Governo Regional da Madeira, em Portugal, por exemplo, tem um chefe de Governo regional arguido que vai a eleições dentro de algumas semanas e que poderá continuar no cargo. Portanto, não há nenhuma novidade sobre esse ponto de vista.”
Os portugueses não estão cansados? Isto não pode, de certa forma, contribuir para um aumento da abstenção? É que são as quartas legislativas em quatro anos e meio…
“Poderá contribuir para algum aumento de abstenção. Poderá contribuir – ainda não sabemos – para algum voto em partidos de protesto, como por exemplo, a direita radical do Chega. Mas também poderá contribuir para um aumento pequeno do PSD e do partido do Governo porque os eleitorados – e não é apenas o português, o francês, o espanhol, o italiano – já têm, em grande parte, atitudes formadas a propósito de casos específicos. O caso do primeiro-ministro poderá ser desviado para outros temas, como o tema de que a oposição de esquerda e a direita radical quiseram derrubar o governo. Não é fácil saber, mas vamos saber nas próximas semanas qual será a tendência de voto dos portugueses.”
As eleições vão mudar alguma coisa ou vai ficar tudo na mesma?
“No caso português, na democracia portuguesa, é pouco provável que o número de partidos e o sistema partidário se altere significativamente. É pouco provável que exista e que saia destas eleições um governo com uma maioria de um só partido. A questão fundamental, mais uma vez, na democracia portuguesa vai ser o seguinte: no dia das eleições, vai sair no Parlamento uma maioria mais à esquerda ou mais à direita? É isso que mais uma vez vai estar em causa nestas eleições, independentemente de saber quem é o maior partido. Mas é provável que não existam grandes alterações.”
Numa altura em que a Europa e o mundo estão cada vez mais polarizados, com a subida de extremismos, e em que, ano passado, nos 50 anos do 25 de Abril, 50 deputados do Chega entravam no Parlamento português, estas novas eleições podem favorecer a extrema-direita?
“Em teoria sim, mas, curiosamente, o partido de extrema-direita português Chega foi atravessado nos últimos meses por um conjunto de escândalos com grande impacto na opinião pública. Desde um deputado pelos Açores que foi apanhado a roubar malas no aeroporto, até um caso de pedofilia com um candidato. Ou seja, o partido de direita radical tem sofrido, sem dúvida nenhuma, um impacto muito forte por casos no seu próprio partido. Não é provável que aumente, mas a sua bandeira é evidente. E, para dar apenas um exemplo, o partido de direita radical, ontem e logo após a queda do governo, já colocou obviamente a sua mensagem política na rua, colocando o actual primeiro-ministro igual ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, acusado de corrupção, o seja, a mensagem de mais um corrupto a dirigir o país e a sua campanha eleitoral será muito em torno desse caso.”
Este é o momento de Portugal ir a eleições?
“Muitas vezes nós pensamos, não apenas em Portugal, mas a propósito de outras democracias, Macron em França e a sua decisão de eleições que não alteraram significativamente o panorama em França… Mas há um ponto interessante no caso português e esse ponto é: existe sempre a ideia de que eleições antecipadas e muitas eleições são perturbadoras da ordem económica. Ora, uma das coisas interessantes no caso português é que, muito embora não seja a Bélgica onde isso acontece regularmente, as eleições não têm tido nenhum impacto na performance económica portuguesa. Não há nenhuma diferença, antes pelo contrário, a economia portuguesa continua em bom estado.”
Depois da moção de confiança chumbada, agora temos um governo em gestão com poderes limitados. O que é que o executivo pode fazer até haver novas eleições?
“É exactamente o que se passou há um ano. Ou seja, o Governo tem um orçamento aprovado, as finanças públicas estão aparentemente sãs. O Governo vai passar a um governo de gestão durante dois meses.”