Guiomar dos Anjos Correia, 28 anos, é o médico mais novo do Hospital Josina Machel, onde trabalha há 17 meses. É especialista em cirurgia cardio-torácica, formação feita na cidade de Wuhan, região chinesa que se tornou famosa por ser o epicentro da pandemia da Covid-19.
Desde que regressou ao país, há três anos, o jovem cirurgião já fez mais de cinco mil cirurgias gerais e do tórax.
Na equipa do Hospital Josina Machel, onde está colocado há um ano e cinco meses, Guiomar Correia já realizou quatro cirurgias torácicas e mais de 50 cirurgias gerais.
Em relação a cirurgias cardíacas, que também fazem parte da especialidade do jovem médico, desde que chegou ao país nunca realizou nenhuma, porque, no Hospital Josina Machel, a única unidade sanitária pública onde se realizavam tais intervenções clínicas, o serviço está desactivado, por falta de condições.
Para o cirurgião cardio-torácico, a falta de condições é triste e frustrante, porque “nunca se é bom cirurgião cardíaco sem operar corações. Para se ser um bom médico é preciso prática constante”, desabafou, acrescentando que “muitas vezes me sinto limitado e frustrado por não conseguir colocar em prática tudo aquilo que aprendi na universidade, porque na China, onde me formei, éramos desafiados com grandes problemas cardíacos e isso permitia um maior crescimento profissional”.
Na opinião do cirurgião cardio-torácico, as limitações, por vezes, dão a impressão de que não se sabe fazer as coisas, mas, na verdade, é a falta de condições nos hospitais que limitam os profissionais de saúde a fazer mais.
Por ser o mais novo a in-gressar na equipa de especialistas do Hospital Josina Machel, Guiomar Correia se sente lisonjeado por partilhar várias vezes o bloco operatório com médicos experimentados na área de cardiologia torácica, há mais de 20 anos.
“A minha meta é fazer coisas que estes médicos experimentados ainda não fizeram, recorrendo ao que aprendi na China, porque a ciência é dinâmica. Hoje as técnicas cirúrgicas, em particular, e as de cardiologia evoluíram muito, logo gostaria de pôr em prática todas as técnicas no meu país”, frisou.
O jovem cirurgião conta que ser médico nunca foi o seu sonho. O que queria mesmo era ser um renomado magistrado do Ministério Público, mas a morte prematura do pai, na província de Cabinda, lhe fez mudar de direcção.
“O meu pai morreu com pneumonia, mas tenho a certeza de que se o hospital tivesse condições e encontrasse uma boa equipa de profissionais comprometidos com a causa hoje estaria vivo”, referiu, adiantando que foi a partir daquele momento que, incentivado pelo irmão mais velho, decidiu entrar para o mundo da medicina, para ajudar pessoas que padeciam dos mesmos problemas.
Conta que o irmão mais velho, como responsável da família depois da morte do pai, pagou os seus estudos na China durante os dez anos que ficou por lá a fazer a licenciatura, que teve a duração de seis anos, e a especialização em cardiologia torácica, que durou quase quatro anos.
Dificuldades
Guiomar Correia foi para a China aos 18 anos de idade e conta que nem tudo foi um mar de rosas, devido ao factor linguístico e saudades, principalmente da mãe, que fizeram com que o jovem médico várias vezes pensasse em desistir do curso e voltar para Angola.
“O mandarim é muito difícil de se aprender, é uma língua que não tem alfabeto, são mais de cinco mil caracteres que até o próprio cidadão chinês não conhece todos. Para um estrangeiro, aprender bem o mandarim leva muito tempo, porque é complicado”, conta Guiomar, que falava fluentemente inglês, língua que também era usada na universidade, para a transmissão de conhecimentos.
“Apesar de falar bem o inglês, apliquei-me muito e, em seis meses, já conseguia passear sozinho, ir à biblioteca, fazer compras e conversar em mandarim”, diz Guiomar que, refere, apesar destes avanços queria regressar ao país, ao se aperceber que os amigos que tinha deixado em Angola já estavam a trabalhar e a constituir família, mas a vontade de vencer na vida e honrar a memória do pai falou mais alto, tornando-se num dos melhores alunos na disciplina de anatomia.
O desempenho do jovem chamou a atenção de muitos professores, que prontificaram-se em apoiá-lo sempre que tivesse dificuldade nas demais matérias.
Segundo Guiomar Correia, até em período de férias era convidado para trabalhar como voluntário em vários hospitais da China, o que lhe deu valências para terminar o curso de medicina, com distinção, aos 23 anos, e fazer a especialização em cardiologia torácica, tendo terminado aos 26 anos.
Ao regressar ao país, já há três anos, Guiomar trabalhou primeiro como voluntário no Hospital Geral de Luanda e depois, por meio de um concurso público, ingressou, há um ano e cinco meses, no Hospital Josina Machel, onde tem estado a realizar várias cirurgias.
Poucos especialistas
O Hospital Josina Machel conta com dois especialistas em cardiologia torácica e um especialista em cirurgias torácicas, número insuficiente, tendo em conta a procura de pacientes oriundos de vários pontos do país, segundo Guiomar Correia, que diz querer fazer doutoramento em cirurgia do câncer do pulmão, esófago ou outro órgão, para ajudar a reduzir o número de evacuações para o exterior, por falta de médicos.
“Não se deve olhar para a área cirúrgica apenas na vertente geral, porque as cirurgias gerais podem ser feitas com poucos recursos. As mais delicadas, como as cirurgias cardio-vasculares, torácicas, cardio-torácicas, neuro-cirurgias, maxilo facial, entre outras, precisam de mais investimentos”.
Fonte:JA